Sérgio Santana*

Exceto para as tripulações AWACS do Esquadrão Nº 18 da Força Aérea Real Saudita, que estavam voando no próprio espaço aéreo, as primeiras aeronaves de AEW&C da Coalizão que chegaram à Arábia Saudita foram os E-3As do 7º Esquadrão de Comando e Controle Aerotransportado subordinado à 552ª Ala de Alerta Antecipado e Controle Aerotransportado, baseada em Tinker, estado de Oklahoma, em 8 de agosto de 1990.

Aquele teatro de operações não era novidade para as tripulações de E-3: Em setembro de 1980, a 552ª Ala desdobrou alguns E-3s, tripulação e pessoal de apoio para a Arábia Saudita em apoio à Operação “ELF One” (European Liason Force One, Força de Ligação Europeia Um, abreviada ELF-1) para fornecer cobertura de radar aerotransportado “24 horas por dia” e para melhorar as capacidades da defesa aérea saudita durante a disputa entre o Irã e o Iraque. O apoio da operação “ELF One” continuou por oito anos e meio, resultando em milhares de horas de voo e missões.

AWACS em alerta!

Em 6 de agosto de 1990 seis E-3 Sentry saíram de Tinker para Riad para um vôo de mais de 16 horas até a “Caixa de Areia” como a Arábia Saudita era conhecida. Depois de dois reabastecimentos em voo, as aeronaves pousaram em 8 de agosto.

Quando as aeronaves chegaram, as tripulações foram alojadas em vários hotéis ao redor de Riad para descanso imediato.

A primeira missão de E-3 da USAF na Operação Escudo do Deserto foi voada na manhã de nove de agosto, após a tripulação ter se apresentado para o serviço na Base Aérea de Riad. O briefing foi um pouco escasso em informações, mas o objetivo principal era colocar o AWACS no ar e o radar Westinghouse AN/APY-1 vigiando o Iraque. A missão foi planejada para durar cerca de 16 horas, o que significava que um reabastecimento aéreo seria necessário mais ou menos na metade do voo. Foi garantido que um reabastecedor Boeing KC-135 Stratotanker seria lançado de Jeddah no momento apropriado para o reabastecimento.

Com essas informações em mãos a tripulação seguiu para a aeronave, que decolou e alcançou a área de órbita sem problemas. Enquanto a tripulação passava pela rotina de ligar os equipamentos, especialmente o radar, havia uma ansiedade sobre se aquele E-3 estaria sozinho no espaço aéreo sobre a Arábia Saudita, pois o E-3 é essencialmente uma aeronave indefesa. Este fato e mais a constatação de que a velocidade de fuga da aeronave que não é impressionante tornava o Sentry um alvo fácil de ser abatido por caças iraquianos.

Assim que a verificação dos consoles de missão foi concluída e as telas do radar ganharam vida, a tripulação ficou muito aliviada ao ver quatro F-15 Eagles da 1ª Ala de Caças Táticos voando uma Patrulha Aérea de Combate a cerca de 100 milhas (160 km) ao norte daquele E-3.

Em pouco tempo, os Eagles estavam sob comando do Sentry.

A missão progrediu sem problemas com alguns ansiosos momentos enquanto eram investigados vários contatos de radar desconhecidos com os Eagles.

Mais tarde, em uma interceptação bizarra, os Eagles foram vetorados para um contato radar à baixa altitude, que acabou por ser um carro saindo do Kuwait à frente do exército de Saddam a uma velocidade muito elevada! A cada quatro horas os F-15 eram substituídos por outros.

Aeronaves E-3 Sentry da 552ª Ala Aerotransportada de Alerta e Controle são atendidas na linha de voo durante a Operação Desert Shield

Apertem os cintos, o reabastecedor sumiu !!!

Por volta das nove horas de missão, quando chegou ao ponto em que o E-3 teria que retornar à base se não fosse reabastecido durante o voo, ficou claro que o avião tanque não compareceria e que sua tripulação seria forçada a sair da área de vigilância e pousar.

Isso causou muita preocupação para o pessoal aéreo em terra, pois haveria uma interrupção na programação de cobertura de alerta antecipado, com a próxima tripulação de AWACS tendo de ser acordada e levada às pressas para Riad. Neste ponto, a tripulação percebeu que ainda havia um destacamento massivo de forças dos EUA chegando à Arábia Saudita por via aérea e que certamente havia alguns reabastecedores da USAF no ar que pudessem ter algum combustível a bordo disponível para repassar.

Então Diretor de Armas daquele E-3 foi à cabine de comando e também ao comandante da tripulação da missão e disse-lhes para se prepararem para um encontro fora do plano de voo com um reabastecedor ou um retorno com combustível mínimo à base.

Ele emitiu um chamado na frequência de guarda em UHF, aberta a todas aeronaves mundo afora: “Qualquer avião-tanque da Força Aérea dos EUA na área, por favor, fique de guarda”. Dentro de minutos o Diretor de Armas estava conversando com dois KC-135 e um KC-10, rapidamente verificando o combustível restante em cada um deles e percebendo que apenas o KC-10 tinha combustível disponível para transferência, assim permitindo que aquele Sentry permanecesse na área de vigilância até ser substituído pelo próximo E-3.

“Frequência Winchester” e a “Rotação 90-90”

Uma aeronave E-3A Sentry se aproxima da lança de reabastecimento de uma aeronave KC-135 Stratotanker enquanto patrulhava o deserto saudita durante a Operação Desert Shield

O KC-10 relatou que ele estava no padrão de pouso em Riad. Depois de obter contato por radar sobre ele, foi solicitado que avisasse ao controle de tráfego aéreo que estava deixando o padrão e fornecido um vetor inicial na direção do E-3, com instruções para subir até 24.000 pés [7.315 m]. Uma vez que ele reconheceu essas instruções, foi-lhe perguntado se estava familiarizado com a “frequência Winchester”, pois não poderiam permanecer em guarda e conduzir a operação de reabastecimento aéreo.

“Winchester” é um apelido para frequência 303.0 UHF (ou ‘30-30’, uma referência a um calibre usado nas espingardas Winchester). Ele respondeu afirmativamente e lhe foi dito que selecionasse para a Winchester no modo de comunicações criptografadas). Alguns momentos depois, o KC-10 dirigiu-se para a direção do E-3.

O Diretor de Armas instruiu o comandante da tripulação da missão e os pilotos do E-3 que um reabastecedor estava vindo na direção do Sentry e que isso seria um procedimento rápido, mas fora das regras. Todos rapidamente começaram os preparativos para o reabastecimento aéreo, com o Diretor de Armas ficando a cargo de avisar sobre a proximidade com o KC-10: o plano era vetorar o E-3 para uma “Rotação 90-90”: onde ambas as aeronaves são vetoradas diretamente uma para a outra, separadas por uma distância de 1.000 pés [305m] verticalmente, e então, no exato momento em que uma aeronave faz uma curva de 90° à esquerda e a outra vira à direita 90°. Se as curvas forem dadas no momento correto, o receptor deve rolar uma ou duas milhas à ré do navio-tanque.

Para complicar ainda mais esta manobra havia vários aviões comerciais em uma aerovia civil entre o E-3 e o KC-10.

Então o E-3 foi mantido a 31.000 pés [9.449 m] e o KC-10 a 24.000 pés [7.315 m]. Normalmente, o receptor estaria 1.000 pés abaixo do reabastecedor para facilitar o encontro. Fazer uma rotação 90-90 é simultaneamente a maneira mais rápida de executar o encontro entre duas aeronaves e é uma das manobras de controle mais difíceis possíveis.

Com ambas as aeronaves informadas, o Diretor de Armas coordenou para que o nariz do E-3 ficasse na mesma direção que o nariz do KC-10. A cerca de 17,7 km de separação, o KC-10 virou 90° para a direita e 3,2 km depois o E-3 virou 90° para a esquerda. Dentro de poucos minutos, a tripulação do E-3 relatou que o avião-tanque estava à vista e que estava navegando a 1 milha [1,6 km] atrás dele. À medida que o avião comercial passou pela nossa rota, o Diretor de Armas avisou à cabine de comando que eles poderiam começar a descida se ainda tivessem o KC-10 à vista. Eles informaram que tinham uma visão do avião-tanque e estavam iniciando a descida. A tripulação da missão executou rapidamente os procedimentos de desligamento do radar e todos os tripulantes apertaram os cintos enquanto o E-3 Larry descia 8.000 pés [2.438 m] em questão de segundos para chegar atrás do KC-10 para começar a reabastecer.

Depois desse reabastecimento, o resto da missão transcorreu sem intercorrências.

E-3 norte-americanos e sauditas contra Saddam Hussein

Até o final do Escudo do Deserto, em 15 de janeiro de 1991, as tripulações dos AWACS norte-americanos e sauditas acumularam 5.052 horas de voo em 397 missões. As tripulações norte-americanas e sauditas de E-3 dividiram o teatro de operações em áreas de responsabilidade.

O padrão repetido de surtidas 24 horas por dia nos mesmos locais de órbita dentro do espaço aéreo saudita servia principalmente para ‘dessensibilizar’ a Força Aérea Iraquiana para a presença de aeronaves AWACS nas proximidades: no início do ataque subsequente, os militares iraquianos seriam apanhados de surpresa.


*Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL), pós-graduado em Engenharia de Manutenção Aeronáutica (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG). Colaborador de Conteúdo da Shephard Media. Colaborador das publicações Air Forces Monthly, Combat Aircraft e Aviation News. Autor e co-autor de livros sobre aeronaves de Vigilância/Reconhecimento/Inteligência, navios militares, helicópteros de combate e operações aéreas

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Carlos Crispim

Emocionante relato, mostra bem as dificuldades operacionais de abastecimento em vôo, imaginem com esse tanto de aviões voando ao mesmo tempo, parabéns pela excelente matéria.

Rinaldo Nery

Em 2003 conheci um Group Captain, da RAF, em Brasília, num Simpósio Internacional de Combate-SAR. Foi uma oportunidade ímpar em conversar com um tripulante de E-3D que havia voado missões de combate na Gulf War. Era o primeiro ano operacional do E-99, e pude tirar todas as minhas dúvidas em como posicionar e empregar um AWACS em combate. O tipo de informação que ninguém passa, oficialmente. Eu era o Operações do 2°/6° naquele ano.

Sérgio Santana

Quem me passou o relato acima foi um oficial da USAF, presente na ocasião descrita. Realmente essas coisas não são ditas oficialmente…

Rinaldo Nery

Na CRUZEX 2004 os franceses do 36° EDCA nos ensinaram o que faltava.

Groosp

E tem gente que se diz nacionalista reclamando de treinamentos conjuntos.

Magalhaes

Podia escrever um texto com algum relato sobre os E-99 hein coronel…seria muito bem lido!

A C

Lembro de ter visitado um E-3 onde um oficial explicava a funcao de cada console. Eh impressionante a quantidade de sensores e radares disponiveis.
Igualmente impressionante sao as funcoes dos tripulantes respensaveis pelo reabastecimento no KC-10 onde a baia de controle do braco de abastecimento fica na parte traseira da fuselagem. O controle do air refueling boom eh visual e feito atraves de um joystick para manobras.

Last edited 5 meses atrás by A C
Rinaldo Nery

O E-3 não tem só um radar de vigilância?

Sérgio Santana

Radar tem apenas dois: um meteorológico e o de missão. Sensores tem os de apoio às medidas eletrônicas e o IFF.

Jagder#44

Impressive!

Magalhaes

Outra matéria muito legal ! Parabéns aos editores!