Por Sérgio Santana*

A data de 11 de setembro de 2001 entrou para a vida de muitas pessoas ao redor do mundo como um daqueles momentos em que sempre lembrarão onde estavam quando começaram a chegar as primeiras notícias e imagens de “um avião que bateu nas Torres Gêmeas”, seguidas por outras de sequestros e quedas de aeronaves em locais importantes dos EUA.

Foi um evento “divisor de águas”, houve um antes e um depois daquele dia. Para a estrutura de defesa aérea da maior força aérea do planeta, a Força Aérea dos Estados Unidos, conhecida como USAF, United States Air Force, ocorreu a mesma transformação.

A estrutura de defesa aérea norte-americana antes do 11 de setembro de 2001

Antes do 11 de setembro, era entendido que uma ordem para derrubar uma aeronave comercial teria que ser emitida pela “Autoridade de Comando Nacional”, ou seja, o Presidente da República e o Secretário de Defesa. Os planejadores de exercícios de defesa aérea também presumiam que a aeronave teria origem fora dos Estados Unidos, dando tempo para identificar o alvo e acionar os interceptadores em alertas de defesa aérea. A ameaça de terroristas sequestrando aviões comerciais dentro dos Estados Unidos – e usando-os como mísseis guiados – não era reconhecida pelo Comando de Defesa Aérea da USAF, o NORAD, como possível de acontecer antes daquela data.

Apesar da identificação dessas ameaças emergentes, até o 11 de setembro havia apenas sete locais de alerta nos Estados Unidos, cada um com dois caças em prontidão. Isso levou alguns comandantes do NORAD a se preocupar com o fato de a organização não ter sido estruturada de forma adequada para proteger o espaço aéreo dos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, o NORAD é dividido em três setores.

Em 11 de setembro, todas as aeronaves sequestradas estavam no Setor Nordeste de Defesa Aérea (também conhecido como NEADS, North Eastern Air Defense Sector), com sede em Rome, Nova York. Na manhã daquele dia o NEADS poderia ativar dois locais de alerta de defesa aérea, cada um com um par de caças prontos para decolagem: a Base Aérea de Otis da Guarda Aérea Nacional em Cape Cod, Massachusetts, e a Base Aérea de Langley, em Hampton, Virginia. Outras instalações, em estado normal, precisariam de tempo para armar os interceptadores e organizar as tripulações.

O NEADS reportava-se à Região NORAD Continental dos EUA baseada na Cidade do Panamá, Flórida, que por sua vez se reportava ao Quartel-General do NORAD, em Colorado Springs, Colorado.

A FAA (Federal Aviation Administration, Administração Federal de Aviação) e o NORAD haviam desenvolvido protocolos para trabalharem juntos no caso de um sequestro. Como já existiam em 11 de setembro, os protocolos para que a FAA obtivesse assistência militar do NORAD exigia vários níveis de notificação e aprovação nos níveis mais altos do governo, o que acabou por tomar um tempo precioso de reação.

O gráfico mostra as trajetórias de voo dos quatro aviões sequestrados em 11 de setembro de 2001, juntamente com os dos caças da Força Aérea dos EUA que foram enviados para interceptá-los. As linhas pontilhadas indicam as partes dos voos em que os transponders de cabine foram desligados

A orientação da FAA para os controladores sobre os procedimentos de sequestro determinava que o piloto da aeronave notificaria o controlador via rádio ou ativando um código de transponder, “7500”, o código universal para um sequestro em andamento. Os controladores notificariam seus supervisores, que por sua vez, informariam a gestão até a sede da FAA em Washington. A sede tinha um coordenador de sequestro, que era o diretor do Escritório de Segurança da Aviação Civil da FAA ou seu representante.

Se um sequestro fosse confirmado, os procedimentos exigiam que o coordenador do sequestro deveria entrar em contato com o Centro de Comando Militar Nacional do Pentágono (National Military Command Center) para solicitar a escolta de uma aeronave militar para acompanhar o voo, relatar qualquer ato incomum e ajuda na busca e resgate em caso de emergência. A mesma autoridade, iria, então, buscar a aprovação do Gabinete do Secretário de Defesa para fornecer assistência militar.

Se a aprovação fosse dada, os pedidos seriam transmitidos através da cadeia de comando do NORAD. O NMCC, por sua vez, manteria o coordenador de sequestro da FAA atualizado e ajudaria os centros da FAA na coordenação direta com os militares. O NORAD receberia as informações de rastreamento da aeronave sequestrada, obtidas pelo radar de uso conjunto ou de instalação de controle de tráfego aéreo da FAA e cada tentativa seria feita para fazer a aeronave sequestrada declarar “7500”, assim auxiliando o NORAD a rastreá-la.

Os protocolos não contemplavam uma interceptação e muito menos um abate. Eles presumiam que a escolta do interceptador seria discreta, vetorizada para uma posição cinco milhas náuticas (9.2km) diretamente atrás da aeronave sequestrada, onde poderia realizar sua missão de monitorar a trajetória de voo da aeronave.

Em resumo, os protocolos em vigor até 11 de setembro de 2001 para a FAA e o NORAD voltados ao gerenciamento de um sequestro em andamento presumiam a existência de determinadas condições: a aeronave sequestrada seria facilmente identificável e não tentaria desaparecer; haveria tempo para resolver o problema por meio das cadeias de comando apropriadas entre a FAA e o NORAD; e o sequestro tomaria a forma tradicional: ou seja, não ser um sequestro suicida projetado para converter a aeronave em um míssil guiado.

Um F-15 Eagle da 102ª Ala de Caça da Guarda Aérea Nacional de Massachusetts voa uma missão de patrulha aérea de combate sobre a cidade de Nova York em apoio à Operação Noble Eagle

Na manhã de 11 de setembro, o protocolo existente era inadequado em todos os aspectos para o que estava para acontecer. Na época, este protocolo previa que a primeira resposta de um controlador de tráfego aéreo a um incidente de aeronave seria notificar um supervisor, que então notificaria a unidade de gerenciamento de tráfego e o gerente de operações responsável. Em seguida, o centro da FAA notifica o Centro de Operações Regionais apropriado (ROC, Regional Operations Center), que por sua vez entra em contato com a sede da FAA.

Em pelo menos um caso daquele dia (o do voo “American 11” da American Airlines, então executado pelo Boeing 767-223ER, de prefixo N334AA, que decolou do Aeroporto Internacional de Logan em Massachussets com destino ao Aeroporto Internacional de Los Angeles, na Califórnia, mas foi o primeiro a se chocar contra o World Trade Center, às 8h46min daquela manhã, matando imediatamente os seus 92 ocupantes e centenas de pessoas no prédio), a combinação de três fatores – perda de contato de rádio, perda de sinal do transponder e desvio de curso – era séria o suficiente para que fosse contactado o ROC em Burlington, Massachusetts. No entanto, sem ouvir a comunicação ameaçadora da cabine, o Centro de Controle em Boston não teria reconhecido ou registrado que o “American 11“ estava sendo sequestrado.

A defesa aérea dos Estados Unidos hoje

Com a consequente e necessária revisão dos protocolos então em uso até o 11 de setembro de 2001, que se mostraram não apenas totalmente inadequados para o enfrentamento eficaz daquela situação, mas também acabaram por dificultar ações naquele sentido, o governo norte-americano estabeleceu uma rede extensa e complexa para coordenação e cooperação de gerenciamento do tráfego aéreo civil/militar, o que facilita a resolução de problemas no nível apropriado, conforme necessário. A rede opera de forma eficaz por meio da troca e interação de pessoal. Assim, os representantes militares da ativa são designados para todos os três centros de serviço da FAA. Além disso, há outros militares da ativa são designados como contatos militares no Quartel-General da FAA.

Depois de 11 de setembro de 2001, era assim que o andar de operação do NEADS se parecia. Acima do Q-93 (o grande escopo de radar verde) está o conjunto de contingência NORAD que foi instalado imediatamente após o 11 de setembro para fornecer dados de radar de todo o país

As funções de operações militares são realizadas nas instalações do Centro de Controle de Tráfego Aéreo da FAA, principalmente nos Centros de Controle de Tráfego de Rota Aérea (Air Route Traffic Control Centers, ARTCC). Da mesma forma, o pessoal da FAA é designado como representantes do tráfego aéreo (Air Traffic Representatives, ARTREPs) em instalações militares selecionadas, e o pessoal de ligação da FAA é designado para o Quartel-General do Comando Principal militar. A FAA também permite que a USAF designe um oficial de torre para torres de controle de tráfego aéreo em aeroportos de uso conjunto para observar e aconselhar sobre possíveis questões relacionadas a essa atividade.

As principais ações, atividades e organizações envolvidas nesta rede são as seguintes:

A FAA designou o Diretório de Prontidão Operacional (AJR-2) da Organização de Tráfego Aéreo (ATO, Air Traffic Organization) como o escritório principal para garantir uma parceria eficaz em questões de segurança de Gerenciamento de Tráfego Aéreo com o Departamento de Segurança Interna, Departamento de Defesa e outras agências importantes envolvidas na segurança da aviação, defesa nacional, segurança interna, aplicação da lei e operações de emergência, incluindo resposta a desastres. Os objetivos principais incluem a harmonização dos requisitos de defesa e segurança interna. O escopo das atividades varia de operações táticas a políticas e planejamento estratégico.

Duas aeronaves F-16C Fighting Falcon da Força Aérea dos EUA (USAF) do 121st Fighter Squadron, 113th Wing, District of Columbia (DC) Air National Guard (ANG), em voo sobre a capital do país, durante uma missão de Combat Air Patrol em apoio à Operação NOBLE EAGLE

A FAA compartilha dados de radar com o Comando de Defesa Aeroespacial da América do Norte (NORAD). O NORAD é a organização militar binacional dos EUA-Canadá responsável pela defesa aeroespacial e marítima dos EUA e Canadá, para permitir o alerta precoce de ameaças aéreas.

O Conselho de Políticas do Departamento de Defesa na Aviação Federal (DoD PBFA, Department of Defense Policy Board on Federal Aviation), presidido pelo Secretário Adjunto de Defesa para Redes e Integração de Informações/Oficial Chefe de Informações (NII/DoD CIO) garante uma parceria eficaz com a FAA em questões de política que afetam todos os serviços militares. O Secretário da Força Aérea designa um Diretor Executivo do DoD PBFA que atua como elo do DOD com o Departamento de Transporte e FAA em assuntos de aviação federal e espaço aéreo nacional.

O Secretário Executivo também representa o DoD no trato com a aviação internacional. Além disso, todos os ramos das forças armadas têm escritórios ou agências que desenvolvem procedimentos em conjunto com os órgãos similares às FAA. A USAF fornece tripulações de voo que operam em conjunto com tripulações de voo e aeronaves da FAA para realizar verificações de voo de auxílios à navegação em aeroportos nos EUA e instalações do DoD no exterior, onde realizam serviços de gerenciamento de tráfego aéreo. A USAF também fornece um contato na sede da FAA para trabalhar com os padrões de voo da FAA na inspeção de aeronaves fretadas usadas para transportar militares.

Dentro do Centro de Comando da FAA está uma Célula de Serviços de Tráfego Aéreo, também conhecida como “a célula militar”. A Célula de Serviços de Tráfego Aéreo foi criada pela FAA e pelo Departamento de Defesa para coordenar o movimento de aeronaves prioritárias durante tempos de guerra ou em emergências, conforme necessário. Por si, esta medida já economiza um tempo precioso que pode se provar decisivo na resolução de um evento similar aos ocorridos em 11 de setembro de 2001.

A FAA estabeleceu e opera a Rede de Eventos Domésticos (Domestic Events Network), um sistema de teleconferência interagências que permite que as agências nos Estados Unidos se comuniquem instantaneamente e tomem medidas imediatamente em resposta a violações de espaço aéreo restrito, aeronaves que não estejam em comunicação com o Centro de Tráfego Aéreo, aeronaves identificadas como rastreios de interesse (TOIs, Tracks Of Interest) e outros incidentes suspeitos.

Os Coordenadores de Segurança de Tráfego Aéreo da FAA (Air Traffic Safety Coordinators, ATSCs) na Sede da FAA, no Centro de Coordenação da Região do Capitólio Nacional (National Capitol Region Coordination Center, NCRCC), Sede da NORAD e na Região NORAD Continental facilitam a coordenação rápida e a troca de informações entre as agências civis/militares participantes, aumentando assim a capacidade dessas agências em cumprir suas próprias responsabilidades de segurança aérea ou defesa na prevenção, dissuasão e, quando necessário, interdição de ameaças aéreas.

Dois F-16 Fighting Falcons começam a se posicionar para uma rápida descida durante uma patrulha de treinamento da Operação Noble Eagle na Califórnia

*Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL), pós-graduado em Engenharia de Manutenção Aeronáutica (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG). Colaborador de Conteúdo da Shephard Media. Colaborador das publicações Air Forces Monthly, Combat Aircraft e Aviation News. Autor e co-autor de livros sobre aeronaves de Vigilância/Reconhecimento/Inteligência, navios militares, helicópteros de combate e operações aéreas.

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Patriota

Ainda acho que derrubaram o quarto avião que atingiria a Casa Branca pra ele não o fazê-lo.

Ivan

Sérgio Santana,
Parabéns !!!

Mais uma excelente matéria.
Muito obrigado.

Grato,
Ivan, an oldinfantryman.

Maurício.

FAB em alerta depois dos atentados terroristas, matéria da época, capa do jornal zero hora, tenho até hoje.😅

Fabio Araujo

Faltou aos EUA algo semelhante aos CINDACTAS, aqui no Brasil o controle aéreo civil e militar são feitos nos CINDACTAS o que facilita e muito a coordenação num evento desse tipo!

Jefferson Ferreira

Exato, isso foi primordial para o sucesso dos ataques!

André Bueno

Sim, o Cel. Nery já mencionou isso anteriormente.

Marcelo

O maior orçamento militar do mundo com um sistema de defesa aérea antiquado e defasado !!!!!

pangloss

Isso era reflexo da sensação de que os dois oceanos isolariam o território dos EUA de ameaças terroristas.

Sérgio Santana

Não diria nem antiquado nem defasado, mas mal estruturado…

Fabio Araujo

Não é que fosse antiquada e defasada, mas a defesa aérea dos EUA não tinha pensado em ataques internos que exigissem uma maior coordenação entre o controle aéreo civil e o militar. O problema era mais de doutrina que de tecnologia!

Jung

Parabéns pelo excelente texto, muitas informações de relevante importância.

Luiz Trindade

Excelente matéria mas eu não sei se passei batido mas não vi ainda a agilização de autorização de abate do avião que estiver sendo usado como míssil ambulante. Apesar que hoje para entrar na cabine ficou praticamente impossível. Porém antes do 11 de Setembro não se imagina um atentado desses!

Guizmo

Vale mencionar que a USAF veio até o Brasil aprender com a FAB essa interoperabilidade Civil x Militar, após os ataques.

Luis

Não sabia dessa informação. Obrigado