O ousado ataque de forças especiais ucranianas à Base Aérea de Chkalovskiy na Rússia

Sérgio Santana*

Várias fontes independentes de notícias – incluindo a prestigiosa Reuters – informaram que em 18 de setembro sabotadores de origem desconhecida efetuaram um ataque com cargas explosivas posicionadas sobre aeronaves estacionadas na Base Aérea de Chkalovskiy, situada a cerca de 30km da capital da Federação Russa, Moscou.

A Base Aérea de Chkalovsky, nos arredores de Moscou, abriga vários meios aéreos estratégicos, bem como a frota de transporte presidencial de alto nível.

De acordo com o GUR (Golovne Upravlinnya Rozvidky, Diretório Principal de Inteligência) da Ucrânia, duas aeronaves de asa fixa (An-148 e Il-20 “Coot-A”) e um helicóptero Mi-28N “Havoc-B” foram “explodidos” por cargas explosivas colocadas sobre elas, durante uma operação realizada em 18 de setembro.

Uma imagem de satélite supostamente tirada da base após o ataque foi amplamente compartilhada nas redes sociais, embora não seja possível confirmar se algumas das aeronaves mostradas foram de fato atacadas, muito menos determinar o nível dos danos. Surgiram duas outras fotos desfocadas que supostamente mostram uma vista sobre um muro perimetral em Chkalovsky, presumivelmente tirada por um dos sabotadores. Novamente, não é possível determinar quaisquer detalhes sobre um possível ataque apenas com base nessas fotos.

Numa declaração no X (ex-Twitter), anteriormente conhecido como Twitter, Anton Gerashchenko, conselheiro do Ministro dos Assuntos Internos da Ucrânia, forneceu o seguinte relato da operação, fornecendo informações que atribuiu ao serviço de inteligência militar do país ou GUR:

“Sabotadores não identificados explodiram dois aviões e um helicóptero na região de Moscou em 18 de setembro. A sabotagem teria ocorrido na Base Aérea de Chkalovsky, onde estão baseados aviões do governo, aviões do “dia do Juízo Final” e aeronaves de reconhecimento. Pessoas não identificadas colocaram explosivos em um campo de aviação bem guardado e explodiram aeronaves An-148 e Il-20 (ambas pertencentes ao 354º Regimento de Aviação de Operações Especiais), bem como um helicóptero Mi-28N, que anteriormente estava ativamente envolvido no abate de atacar drones. Devido aos danos, o reparo rápido é impossível. A cauda do helicóptero foi danificada. Outro An-148, que estava estacionado ao lado dos outros, sofreu danos leves.”

Num comunicado no aplicativo de mensagens Telegram, o GUR também afirmou que “sabotadores não identificados” foram responsáveis pelo ataque ao que descreveu como um “campo de aviação fortemente vigiado”.

O mesmo órgão também disse que o incidente causou “considerável histeria nos níveis militares mais altos” devido ao fato de a base aérea abrigar “aeronaves do governo, os chamados ‘aviões do Juízo Final’ e aeronaves especiais (aeronaves de reconhecimento)”.

Quanto à aeronave alegadamente atingida, o jato regional bimotor An-148 foi projetado na Ucrânia, mas também construído na Rússia e é usado pelo Ministério da Defesa russo como transporte executivo. O Ministério da Defesa encomendou 15 exemplares, que agora estão baseados em Chkalovsky, Levashovo, Rostov-on-Don e Yekaterinburg. Como a produção foi encerrada após o rompimento das relações Rússia-Ucrânia em 2014, substituir essas aeronaves relativamente novas não é nada fácil.

A perda relatada de um Il-20M, no entanto, representaria um golpe muito mais significativo para os militares russos. Conhecido pela OTAN como Coot-A, o Il-20M é uma aeronave de reconhecimento por radar e inteligência eletrônica (ELINT) baseada no avião comercial Ilyushin Il-18 da década de 1950. Acredita-se que apenas cerca de uma dúzia dessas aeronaves sejam operadas pelas Forças Aeroespaciais Russas em nome da Diretoria Principal de Inteligência (GRU) do Estado-Maior General das Forças Armadas Russas. A substituição destas aeronaves numa base de um por um é agora quase impossível, uma vez que não existe um sucessor imediato na mesma função.

O Il-20M é usado para missões de coleta de inteligência em todo o mundo, inclusive no Mar Báltico, no Mar do Japão e no Mediterrâneo. A maior parte da frota Il-20M está baseada em Chkalovsky, juntamente com a versão do posto de comando aerotransportado Il-22 e derivados. Um Il-22 foi abatido, aparentemente pelo Grupo Wagner, durante a tentativa de golpe na Rússia em Junho deste ano.

Como o falecido piloto do MiG-29 da Força Aérea Ucraniana, Andrii Pilshchykov, mais conhecido como “Juice”, divulgou no ano passado, o Il-20 é uma dor de cabeça especial para os ucranianos, devido à sua capacidade de bisbilhotar as emissões eletrônicas, ajudando localizar posições militares, incluindo sistemas de defesa aérea baseados em terra.

Finalmente, o Mi-28N Havoc-B é um dos mais importantes helicópteros antitanque e de ataque utilizados pela Rússia na sua guerra na Ucrânia, tendo também sido utilizado o mais recente Mi-28NM. Cerca de uma dúzia de Mi-28 já foram perdidos na campanha ucraniana, de um total pré-guerra de aproximadamente 110 exemplares.

Curiosamente, o relato do GRU afirma que o Mi-28N em questão foi utilizado numa função ar-ar, ajudando a proteger a região da capital russa contra o agora sempre presente ataque aéreo.

As unidades da Força Aeroespacial da Federação Russa baseadas em Chkalovskiy

As unidades aéreas baseadas em Chkalovskiy estão diretamente subordinadas ao Comando Supremo da Força Aeroespacial da Federação Russa.

São elas:

O 929º Centro Estatal de Testes de Voo V.P. Chkalov (assim batizado em honra de Valery Pavlovich Chkalov, um importante piloto de testes nascido em 1904 mas falecido prematuramente aos 34 anos nos comandos de um Polikarpov I-180) integrado pelo 3º Esquadrão de Aviação exclusivamente equipado com aeronaves do Ilyushin OKB, tais como Il-80/Il-86VKP “Maxdome” – empregado como Posto Aerotransportado de Comando, em uma função análoga ao do Boeing E-4B “Nightwatch” – o Il-82 “Mongrel”, especializado na retransmissão de comunicações submarinas, sendo o correspondente russo do norte-americano Boeing E-6 TACAMO; e, finalmente, o Il-96VPU, apelidado de “Aeronave do Juízo Final”, a bordo do qual Vladimir Putin comandaria as forças armadas russas em caso de uma guerra nuclear.

A 8ª Divisão Aviação do Estandarte Vermelho de Propósitos Especiais, que apoia os comandantes das Forças Armadas Russas, bem como as autoridades estatais em tempos de guerra. A sua frota de cerca de 100 aeronaves de passageiros e de transporte é utilizada para movimentar pessoal militar, incluindo forças especiais, e apoiar operações estrangeiras, incluindo na Síria. Também conhecida simplesmente como “8 ADON”, esta divisão administra três subunidades: o 353º Regimento de Aviação de Propósitos Especiais, que voa transportes Antonov An-12 “Cub”, An-26 “Curl”, An-72 “Coaler” e An-76 “Candid; o 354º Regimento de Aviação de Propósitos Especiais, equipado com An-148, Il-18D “Coot”, Il-62 “Classic”, Let L-410 e Tupolev Tu-134 “Crusty”; a 206ª Base de Aviação de Propósitos Especiais, que voa helicópteros Mil Mi-8AMTSh e Mi-8MT “Hip-H” e, finalmente, o Destacamento de Voo 223 da Companhia Aérea Estatal, Instituição Orçamentária do Estado Federal, equipado com Il-62M “Classic”, Il-76MD “Candid”, Tupolev Tu-134A-3 “Crusty” e Tu-154B-2/M “Careless”

Anteriormente, houve ataques de sabotagem em bases aéreas nas profundezas da Rússia. Contudo, o ataque à Chkalovskiy, devido ao caráter altamente estratégico da base, demonstra que nem mesmo ela está a salvo, exigindo mudanças imediatas quanto ao seu padrão de defesa.

*Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL), pós-graduado em Engenharia de Manutenção Aeronáutica (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG). Colaborador de Conteúdo da Shephard Media. Colaborador das publicações Air Forces Monthly, Combat Aircraft e Aviation News. Autor e co-autor de livros sobre aeronaves de Vigilância/Reconhecimento/Inteligência, navios militares, helicópteros de combate e operações aéreas