A interceptação de aviões espiões da OTAN pelas Forças Aeroespaciais da Rússia

Sérgio Santana*
Pouco antes das seis horas da manhã (Horário Britânico Padrão, UTC+1) em 29 de setembro de 2022, o Boeing RC-135W “Rivet Joint” registrado como ZZ664 e com código-rádio RRR 7215, operado pelo Esquadrão 51 da Força Aérea Real (na qual é conhecido como “Airseeker”) decolou de sua base em Waddington, Lincolnshire, para mais uma missão de inteligência eletrônica (ELINT) que o levaria e a sua tripulação em um sobrevoo no espaço aéreo internacional sobre o Mar Negro, dentro do escopo das operações ELINT que ainda ocorrem desde que as Forças Armadas da Federação Russa invadiram a Ucrânia pouco mais de sete meses antes.
Por volta das 13:58 UTC daquela tarde e cruzando a uma altitude de 35.000 pés (10.668 metros), o “RRR7215” ainda sobrevoando águas internacionais, foi detectado por radares da Base Aérea de Bel’bek’, em Sebastopol, Península da Crimeia, lar do 38º Regimento de Aviação de Caça, subordinado à Força Aeroespacial da Federação Russa (Vozdushno-kosmicheskiye Sily, abreviadamente VKS), 4º Exército Aéreo, que ordenou que um par de caças Sukhoi Su-27 “Flanker” decolasse e interceptasse o Airseeker.

A partir deste momento, as narrativas de ambas as partes sobrepõem-se à verdade dos fatos, sendo o único consenso que houve o disparo de um míssil BVR Vympel R-27 (AA-10 “Alamo”) em direção ao Rivet Joint, mas que não não detonou sua ogiva, o que permanece um mistério, ainda mais quando não há registro de ação semelhante mesmo nos tempos mais quentes da Guerra Fria. O que certamente aconteceu foi que sendo do tipo de guiagem semi-ativa, o artefato não detonou porque o interceptador foi ordenado pelo controle de solo a interromper o processo de emissão de radiação eletromagnética para a cabeça de guiagem do míssil, levando-o a cair em algum lugar daquelas águas por ter exaurido o propelente do seu motor.
Felizmente, após aquele quase abate (que, a concretizar-se, certamente elevaria as tensões entre Moscovo e a NATO a consequências inimagináveis), o “RRR 1572” e a sua tripulação regressaram em segurança à sua base, na noite do mesmo dia.
Outras situações similares
Mas, apesar da gravidade do evento, não foi a primeira vez, desde que as forças russas invadiram a Ucrânia, que os RC-135 operados pelas forças aéreas da OTAN foram interceptados por aeronaves russas.
Na verdade, esse tipo de evento começou a ser registrado antes mesmo da invasão propriamente dita, quando as tensões começaram a aumentar.
Em 10 de abril de 2021, foi a vez de um interceptador de alta velocidade/alta altitude Mikoyan Gurevich MiG-31 “Foxhound” ser lançado contra outro Rivet Joint, mas operado pela Força Aérea dos Estados Unidos, que voava na costa de Rússia sobre o Oceano Pacífico.
Aquele foi um mês muito agitado em termos de interceptações da Força Aeroespacial da Federação Russa contra aeronaves RC-135 da USAF, pois de acordo com várias fontes, pelo menos duas delas (uma registrada como “64-14848”) foram interceptadas em mais dois voos na mesma área, um no dia 16 e outro sete dias depois, ainda pelo “Foxhound”, que equipa dois esquadrões da VKS russa (parte do 22º Regimento de Aviação de Caça, baseado em Tsentralnaya Uglovaya, sob a 303ª Divisão Composta de Aviação de Guarda) e outro da Aviação Naval da Federação Russa (o 317º Regimento de Aviação Composto Independente, localizado em Yelizovo, administrado pela Aviação Naval Russa, Frota do Pacífico), todos subordinados ao Distrito Militar Leste da Rússia, 11ª Divisão Aérea e Exército de Defesa Aérea, com sede em Khabarovsk.

Até três aeronaves e tripulações da 55ª Ala da USAF geralmente estão estacionadas no campo de aviação de Suffolk em destacamento temporário de sua base em Offutt AFB, Nebraska.
As missões de RC-135 do Mar Negro da USAF são realizadas a partir da Estação Aérea Naval de Souda Bay, em Creta na Grécia. Elas geralmente envolvem as aeronaves voando em padrões de órbitas no centro do Mar Negro, ao sul da Crimeia.
Sete meses depois, os “Airseeker” da RAF voltaram a ser os protagonistas das interceptações de caças russos , quando outro Su-30 decolou da já citada Base Aérea de Bel’bek’ para interceptar um RC-135W daquela Força Aérea se aproximando da fronteira do Estado russo, através da região sudoeste da Crimeia. A uma distância de cerca de 30 quilômetros da fronteira russa, um interceptador da Federação Russa se aproximou do avião de reconhecimento, após o que o avião britânico mudou de curso para longe da fronteira russa.
Mais recentemente, em meados de agosto de 2022, o já mencionado Airseeker “ZZ664” usando o indicativo “RRR7255”, partiu de sua base e após algumas horas sobrevoando o espaço aéreo internacional foi interceptado enquanto sobrevoava o Mar de Barents (mais especificamente perto do Cabo Svyatoy Nos) por um MiG-31BM operado por um dos três esquadrões do 98º Regimento Composto de Aviação de Guardas baseado em Monchegorsk e subordinado ao 45º Exército de Defesa Aérea e Aérea da Frota do Norte da Aviação Naval Russa.
Foi revelado que o seu plano de voo o levaria sobre espaço aéreo e águas internacionais com o objetivo de coletar dados ELINT não apenas da Frota do Norte da Marinha da Federação Russa em Murmansk, mas também de muitas outras instalações secretas localizadas na mesma região, incluindo aquelas ligadas ao teste dos mísseis hipersônicos Kh-47M2 Kinzhal (NATO ASCC AS-24 Killjoy).
Uma breve descrição da doutrina de Defesa Aérea da Federação Russa

A atual doutrina de defesa aérea russa segue uma abordagem de três níveis. Este sistema em camadas permite que as forças de defesa aérea russa criem zonas de negação de área anti-acesso (A2AD) que podem ser difíceis de penetrar. O nível mais alto dessas redes defensivas usa sistemas de longo alcance, como o S-200 (SA-5 Gammon), S-300 (SA-20 Gargoyle) e S-400 (SA-21 Triumf), fornecendo bolhas de defesa aérea com até 800 km de diâmetro.
Essas zonas são normalmente aumentadas pelo segundo nível, que inclui sistemas de médio alcance. Esta camada de médio alcance destina-se a aumentar a cobertura do radar dentro da zona de defesa aérea e economizar os estoques mais limitados de mísseis interceptores de longo alcance. O terceiro nível usa sistemas SAM móveis para fornecer proteção extra para áreas-chave, como bases militares.

Embora as missões de interceptação contra o RC-135 “Rivet Joint/Airseeker” tenham sido realizadas por diferentes interceptadores e em diferentes locais e horários, todas elas têm uma coisa em comum: foram desencadeadas por elementos das Tropas Rádio Técnicas, uma das subdivisões da VKS.
Oficialmente conhecidos como Radio Tekhnicheskiye Voyska (ou RTV), elas são equipadas com sistemas de rádio e radar, sendo treinadas para realizar reconhecimento radar de um determinado adversário e fornecer informações radar sobre a situação aérea dentro do campo de radar para controlar corpos da Força Aérea e demais Serviços e Armas das Forças Armadas, pontos de controle de meios de combate aeronáuticos, mísseis superfície-ar e tropas de guerra eletrônica.

Eles consistem em Regimentos de Engenharia de Rádio, organizados como parte de um Exército Aéreo, bem como de uma Brigada de Defesa Aeroespacial e outras unidades e organizações diretamente subordinadas ao Comandante-em-Chefe da Força Aérea.
As RTV são a principal fonte de dados de radar sobre a situação aérea. Eles realizam reconhecimento de radar e fornecem informações de radar às equipes de combate de Postos de Comando (PCs) regionais e PCs de Exércitos Aéreos e subdivisões de aviação.
Em tempo de paz, todas as subunidades destacadas e postos de comando de formações e unidades das Tropas Radio Técnicas realizam tarefas de combate na defesa aérea e desempenham tarefas de proteção das fronteiras do Estado no espaço aéreo.
Embora as RTV tenham bases terrestres fixas, devido à irregularidade da topografia do território russo, muitos dos postos de comando que gerenciam a rede de radares são montados em caminhões, de forma a proporcionar o máximo de mobilidade.
Assim, por exemplo, existe o Posto de Comando Central Móvel da Força Aérea/Defesa Aérea “Agat Panorama TsM”, já plenamente operacional. Ele é projetado para detectar até 1.500 alvos aéreos, em um alcance de 4.800km e voando a uma altitude de até 100km, a uma velocidade de até 6.000km/h.
Um único Posto de Comando pode direcionar até 144 caças interceptadores para os alvos. Além dessa capacidade, pode ser conectado ao radar de alerta antecipado 59N6E “Protivnik GE”, capaz de detectar alvos aéreos em um alcance de 500 km e voando a uma altitude de 200 km (pode detectar inclusive satélites em órbitas baixas), que está associado aos já mencionados sistemas SAM SA-20 “Gargoyle” e SA-21 “Triumf”.
* Sérgio Santana é Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL), pós-graduado em Engenharia de Manutenção Aeronáutica (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG). Colaborador de Conteúdo da Shephard Media. Colaborador das publicações Air Forces Monthly, Combat Aircraft e Aviation News. Autor e co-autor de livros sobre aeronaves de Vigilância/Reconhecimento/Inteligência, navios militares, helicópteros de combate e operações aéreas.
Sergio é o cara.
Parabéns pela matéria
Muito detalhada e rica em informações
Segue o jogo, a OTAN cansou de interceptar aviões da antiga URSS no baltico e Mar do Norte, nos tempos da Guerra Fria. Quem tem, como eu, a coleção “Aviões de Guerra” , vai se lembrar das fotos. Agora é a vez dos russos!! Segue o barco!!
A mídia cansou de falar que o míssil R-27 “falhou”, mas a verdade foi exposta no texto “O que certamente aconteceu foi que sendo do tipo de guiagem semi-ativa, o artefato não detonou porque o interceptador foi ordenado pelo controle de solo a interromper o processo de emissão de radiação eletromagnética para a cabeça de guiagem do míssil, levando-o a cair em algum lugar daquelas águas por ter exaurido o propelente do seu motor.” Nada como uma explicação lucida.
Resumindo: os russos tentaram fazer pressão, mas amarelaram. Coisa de ditadorzinho covarde.
O avião mudou de rota, então funcionou.
Porque a Otan não foi lá tirar o “ditadorzinho” do poder???? Porque ficou com medo do “ditadorzinho” colocar a casa branca no seu microondas nuclear…
Kkkkkkkkk, é cada um que aparece kkkkk.
O próprio Putin já admitiu que não tem poder militar para fazer frente a OTAN toda, o que segura é o arsenal nuclear dele e só.
Putin é o Rambo, por isso a admiração de muitos. Encara tudo sozinho. Tio Sam precisa da patota, não tem comparação.
Imagina se Putin fosse você, e agisse de forma de ditadorzinho. Que seria da humanidade. É coisa de gente grande, não tem essa Brasil, que só pensa em verba de orçamento secreto. Repare que o país de menor potencia, entre China, Índia e Rússia, o Brasil é quão distante deles?
Nossa economia é maior que a da Rússia. Mas estamos bem atrás no quesito militar e tecnológico bélico.
OTAN pediu penico meu caro e os Russos devem ter falado não voltam mais aqui
O R-27 também conta com uma versão com seeker IR, como era padrão na maioria dos AAMs soviéticos, que nesse caso seria independente da aeronave após o disparo e eventualmente poderia ter falhado. Acho a versão do texto bem plausível, mas na ausência de maiores informações o que nos resta é especular. Não sabemos nem o tipo de míssil, a distância de disparo, o quadrante, o local do incidente, etc. O fato é que alguma coisa deu muito errado pra um disparo desses ter acontecido em primeiro lugar. No final, a melhor coisa tanto pros russos como pros britânicos foi… Read more »
O autor, quando escreve “certamente”, logo no início, é algo que pode ser a realidade, ou não. Não sabemos qual a versão do míssil, a distância do avião lançador até o alvo, entre outras variáveis. E provavelmente nunca saberemos se o míssil teve sua trajetória abortada ou se falhou. Qualquer certeza sobre isso nâo passa de especulação.
PS: o autor é um grande e respeitado profissional, minha colocação aqui não quer por em dúvida isso.
EDITADO:
COMENTARISTA SUSPENSO DEVIDO AO USO DE MÚLTIPLOS NOMES DE USUÁRIO.
Acho q a OTAN pediu penico nessa hora e os Russos aliviarão a mão
Onde estão essas maquinas na guerra ? Problemas de comunicação e ainda não chegou ?
Difícil de acreditar !! falar que um Sukhoi Su-27 “Flanker” não consegue abater um Boeing ? basta uma pequena rajada e já era…….mas a história está mal contada…..
Quem falou isso??? Lembre que não é missão de Ace Combat. Na vida real, ordens são dadas e obedecidas…
A Austrália tem uma área quase igual a do Brasil, tem muito mais fronteira marítima, está situada em área de potencial conflito, e tem 1/8 do nosso efetivo, gasta menos do que Brasil, e tem uma Força Aérea e Marinha muito superior as nossas !! alguém quer explicar ?
Do nada surge Austrália no debate… Pense num off topic delirante.
Azor, acho que você errou de matéria e de blog. Sugiro comentar aqui, onde tem matéria recente sobre Austrália:
https://www.naval.com.br/blog/2023/06/27/rolls-royce-expandira-instalacoes-de-raynesway-para-acomodar-as-demandas-dos-reatores-dos-submarinos-aukus/
Pensão e morre fictícia para pensão.
Na Austrália compra-o equipamentos, desenvolvem e fabricam. Aqui gasta-se dinheiro no desenvolvimento e não fabrica. Tem gente q defende a tese q basta saber fazer q fabricar e jogar dinheiro fora
Nossa população é bem maior, e presença também é algo importante. Na verdade nosso efetivo militar segue pequeno para o tamanho do país, ao menos no Exercito, 220.000 é muito pouco e está muito concentrado no Sul e Sudeste. Quanto a Marinha e FAB pode-se argumentar que há muita gente pra pouco equipamento.
Agora, com mais tempo, vamos ao comentário mais técnico. Claro que não será como os do Boscão, mas vou tentar contribuir com a discussão. Acredito que não houve lançamento de míssil BVR Vympel R-27 (AA-10 “Alamo”) contra o Boeing RC-135W “Rivet Joint”, explico: Conforme relatado no texto, “missão de inteligência eletrônica (ELINT) que o levaria e a sua tripulação em um sobrevoo no espaço aéreo internacional sobre o Mar Negro”. O Vympel R-27 é um míssil BVR com guiagem de radar semi-ativo e para interceptar um alvo precisa que a aeronave lançadora esteja iluminando constantemente esse alvo. O que deve… Read more »
Alecs, quando um míssil daqueles é disparado, o rastro de fumaça de ignição do motor foguete costuma ser bem visível. Então acho que o míssil foi disparado sim.
Salvo engano, é aliás gostaria que alguém que soubesse mais sobre isso pudesse comentar e me corrigir, quando o alvo é trancado pelo radar é uma coisa. Quando o míssil efetivamente é disparado, a frequência do feixe radar muda, sendo reconhecido pelo RWR. Existem radares e mísseis modernos em que isso não acontece mas em se tratando de um AA-10 semi ativo, acho que ainda acontece.
Leandro, o míssil é de longo alcance (BVR), logo o rastro de fumaça só aparece enquanto o combustível sólido é queimado e o míssil ganha velocidade em direção ao alvo. Quando entra no alcance visual o míssil está voando com o que restou de energia sinética gerada pela combustão do propelente. Sendo assim, a não ser que a tripulação do Boeing RC-135W tenha confirmado o avistamento do míssil, ainda acredito que não houve disparo, só travamento do radar e alerta do RWR. Inclusive a tripulação do Boeing RC-135W pode ter continuado a missão até onde estava programado e só depois… Read more »
EDITADO:
2 – Mantenha o respeito: não ataque outros comentaristas.
Disparos acidentais acontecem. O abate de um F-16 turco por um Mirage 2000 grego provavelmente foi assim.
Não entendi, o que tem a Síria com o sistema de defesa do espaço aéreo Russo?
Até onde me lembro de geografia, são países diferentes, distantes geograficamente um do outro.
Mano… Quem voa com avião espião com esse tipo de missão esta sujeito à estes tipos de riscos. Que deem graças à Deus que o míssil não os atingiu! Mas cada vez mais a linha tênue entre o arriscado e vai dar M… esta mais fina!
A OTAN continua testando a paciência da Rússia para ela dar margem para a mesma entrar num conflito aberto com a respectiva Rússia! O que eu não entendo é como se vai nesta direção sabendo que a OTAN e Rússia podem acabar numa guerra termonuclear! É muita irracionalidade baseada na afirmação “Eu posso!”
A OTAN é aquela gang cheia de covardes q tem dois ou três valentões q empurrão a turma de medonhas p provocar os outros e depois deixa os muleques apanharem
Sérgio ótimo artigo. Parabéns
Ótima materia, impossivel ter acesso a uma materia assim em redes sociais, só tem superficialidade.