A DARPA e programa “Evolução do Combate Aéreo”

Por Sérgio Santana*

Criada em fevereiro de 1958 como a uma reação direta aos avanços da então tecnologia militar soviética demonstrados com o lançamento do satélite artificial “Sputnik” em outubro do ano anterior, a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (Defense Advanced Research Projects Agency) vinculada ao Departamento de Defesa dos Estados Unidos e mais conhecida pela sigla DARPA, tem se notabilizado por abrir caminhos no desenvolvimento de novas tecnologias que a princípio possuem emprego militar, mas que também podem eventualmente migrar para utilização civil, como a internet e o GPS.

Uma dessas novas tecnologias militares é o programa “ACE” (sigla para “Air Combat Evolution”, evolução do combate aéreo, fazendo uma brincadeira com a palavra em inglês para Ás, como se convencionou designar o piloto que acumula o mínimo de cinco vitórias em combate aéreo).

O ACE busca aumentar a confiança na autonomia de combate usando combate aéreo colaborativo homem-máquina como seu problema de desafio, o que serve como um ponto de partida para a complexa colaboração homem-máquina. Assim, o ACE aplicará as tecnologias de inteligência artificial existentes ao problema do combate aéreo em alcance visual em experimentos de realismo crescente. Paralelamente, o ACE implementará métodos para medir, calibrar, aumentar e prever a confiança humana no desempenho da autonomia de combate. Por fim, o programa escalará a aplicação tática de “dogfight” autônomo para cenários simulados de nível operacional mais complexos, heterogêneos e multiaéreos, informados por dados ao vivo, estabelecendo as bases para futuras experiências em nível de campanha ao vivo.

Em um futuro domínio aéreo contestado por adversários, um único piloto humano pode aumentar a letalidade orquestrando efetivamente múltiplas plataformas autônomas não tripuladas a bordo dentro de uma aeronave tripulada. Isso muda a função de mero operador humano para comandante de missão. Em particular, o ACE visa oferecer uma capacidade que permita ao piloto atender a uma missão de comando aéreo mais ampla e global, enquanto suas aeronaves e sistemas não tripulados em equipe estão engajados em táticas individuais.

Para tal, o ACE cria uma estrutura hierárquica visando a autonomia, na qual as funções cognitivas de nível superior (por exemplo, desenvolver uma estratégia geral de engajamento, selecionar e priorizar alvos, determinar a melhor arma ou efeito, ou seja, detalhes da manobra da aeronave e táticas de engajamento) são legadas para o sistema autônomo. Para que isso seja possível, o piloto deve ser capaz de confiar nesta autonomia para conduzir comportamentos de combate complexos em cenários como o duelo dentro do alcance visual antes de progredir para engajamentos além do alcance visual.

As demonstrações do ACE preencherão a lacuna de sistemas automatizados baseados em princípios simples da Física atualmente empregados para sistemas complexos capazes de autonomia efetiva em ambientes altamente dinâmicos e incertos em velocidades de missão.

Para que tudo isso seja efetivado, o desenvolvimento de tecnologia no programa ACE aborda quatro desafios principais: aumento do desempenho da autonomia de combate aéreo em comportamentos locais (aeronave individual e equipe tática); construção e calibração da confiança nos comportamentos locais de combate aéreo; medição do desempenho e confiança em ambientes envolvendo várias aeronaves de natureza múltipla (caças e bombardeiros, por exemplo); e, por fim, construção da infraestrutura para experimentação de combate aéreo em grande escala.

Em agosto de 2020, em um dos experimentos do programa ACE, um algoritmo de inteligência artificial pilotando um F-16 Fighting Falcon em um duelo simulado contra um piloto experiente da Força Aérea dos EUA obteve uma série de cinco vitórias consecutivas em um ambiente de combate aéreo dentro do alcance visual, no âmbito da competição “AlphaDogfight”

Desenvolvido pela empresa Heron Systems em meados de 2019 e tendo acumulado 12 anos de experiência ao longo de 4 bilhóes de simulações, o algoritmo enfrentou um graduado do Curso de Instrutor de Armas da Força Aérea dos Estados Unidos (equivalente ao Top Gun da Marinha norte-americana) com o indicativo “Banger”. Durante os combates foi percebido que o algoritmo de inteligência artificial demonstrou algo definido como uma “capacidade sobre-humana de pontaria”, evitando que “Banger” acertasse um único disparo sequer.

Mesmo que a DARPA admita que atualmente ainda não existe um sistema de inteligência artificial capaz de derrotar um caça tripulado no “mundo real” (embora este seja um dos objetivos  do programa ACE), tem de ser lembrado que embora o ambiente virtual tenha permitido “Banger” executar manobras de alto G julgadas impossíveis de suportar para o organismo humano, um confronto entre um caça tripulado e outro não-tripulado fatalmente levaria a que este, apenas considerando o fator de aceleração gravitacional, teria uma vantagem indiscutivelmente inalcançável pelo seu oponente.

O produto da Heron Systems competiu contra o piloto humano depois de derrotar outros algoritmos de IA nas rodadas anteriores da “AlphaDogfight”. E embora existam outras iniciativas com objetivos semelhantes (a exemplo do programa do Centro Conjunto de Inteligência Artificial da USAF, que pretende colocar em combate em ambiente físico um drone autônomo controlado por inteligência artificial contra um caça tripulado em futuro próximo), é o programa ACE da DARPA que está mais perto de concretizar o projeto no qual a inteligência artificial lidaria com manobras em frações de segundo durante combates aéreos dentro do alcance visual, mantendo os pilotos mais seguros e eficazes enquanto orquestram um grande número de sistemas não tripulados em uma teia de efeitos de combate considerados “avassaladores”.

Operações de Combate Aéreo Autônomo do Laborátório de Pesquisa da USAF

NF-16 Variable Stability In-Flight Simulator Test Aircraft (VISTA)

Um outro passo nesse sentido foi dado mais recentemente, quando em uma série de testes de voo bem-sucedidos a inteligência artificial pilotou um caça X-62A, combatendo aeronaves inimigas simuladas.

Dois programas diferentes de inteligência artificial, com piloto humano no cockpit, conduziram a Aeronave de Teste de Simulador de Estabilidade Variável X-62A, ou VISTA, durante 12 testes, que foram realizados em dezembro de 2022 pela 412ª Ala de Testes sediada na Base Aérea de Edwards, na Califórnia.

O VISTA é um caça F-16 de dois lugares “altamente modificado”, que pode ser pilotado por programas autônomos de inteligência artificial e simular as características de voo de aeronaves como o próprio F-16 ou o drone MQ-20.

Um dos dois programas testados foi um produto das Operações de Combate Aéreo Autônomo (Autonomous Air Combat Operations, AACO, do Air Force Research Laboratory da Força Aérea dos Estados Unidos, também conhecido como AFRL). Este programa pilotou o VISTA em combates um-a-um contra um inimigo simulado além do alcance visual.

O objetivo final dos programas do AFRL e da DARPA é eventualmente “desenvolver autonomia orientada por IA para plataformas táticas aerotransportadas” para vigilância, combate além do alcance visual e combate aéreo.


*Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL), pós-graduado em Engenharia de Manutenção Aeronáutica (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG). Colaborador de Conteúdo da Shephard Media. Colaborador das publicações Air Forces Monthly, Combat Aircraft e Aviation News. Autor e co-autor de livros sobre aeronaves de Vigilância/Reconhecimento/Inteligência, navios militares, helicópteros de combate e operações aéreas

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Tallguiese

Em um futuro mediano então não haverá mais pilotos certo? Seremos apenas passageiros/administradores de sistema. Como será voar para nós no futuro? Sem o ser humano nos controles é como se tirassem as asas que tanto custou pra conseguir. O homen não voará mais, a máquina vai voar por vc! Pelo menos deixem os voos recreativos para nós não perdemos a prática de voar….

Last edited 1 ano atrás by Tallguiese
Willber Rodrigues

Talvez eu esteja sendo conservador, mas não vejo isso num prazo de 15 anos, pelo menos na aviação civil, de substituir completamente o homem por uma IA.
Você confiaria viajar num avião sem nenhum piloto ou co-piloto, apenas confiando numa IA na cabine? Eu, no momento, não.

Rinaldo Nery

Com 174 passageiros lá atrás fica mais complicado.

Paulo Moura

Realmente com passageiros a coisa deve ser bem conservadora…
Mas tem um grande mercado de carga a ser explorado.
Imagina um hub de carga onde os aviões são autônomos apenas com uma equipe em campo para gerenciar o aeroporto…
Tempo de escala menores. Sem preocupação com fadiga de piloto…
Tem nicho bom pra explorar aí…

Ildo

O futuro da aviação de caça são caças multifuncionais de 5ª e 6ª Geração operando em conjunto com UCAVs como “alas”.

Su-57/Sukhoi S-70 Okhotnik; J-20/Hongdu GJ-11, por exemplo.

C G

Concordo com exceção do fato dos caças atuais não terem sido projetados de fato para isso, com uma talvez forcada exceção ao F-35 que possui computadores modernos, o F-22 “creme de lá creme” tem menos poder de processamento que o seu celular, sério! Claro que o ala vai ter seus próprios poderosos computadores mas a integração entre eles será em um nível altíssimo então não acredito que qualquer coisa defasada consigam se integrar plenamente. Eu nem vou falar do SU-57 pq aí piorou, nem 5g ele é, outra mentira Russa. O caça Chinês pra mim é um mistério mas no… Read more »

Ildo

Eu nem vou falar do SU-57 pq aí piorou, nem 5g ele é, outra mentira Russa.”

Eu nem me darei ao trabalho de responder ao resto com esse nível de afirmação…

Um apanhado de esteriótipos rasteiros, desinformação e desconhecimento abissal da realidade e desenvovimentos tecnológicos chineses e russos…

Já dos EUA… É o que se vê na mídia mainstream ocidental…

Luis H

“F-22 “creme de lá creme” tem menos poder de processamento que o seu celular, sério!” e só o que nos resta é orar pelo retorno do botão dislike.

C G

Pode ir dar um google, tirando o radar que tem “vida própria” o seu celular tem muito mais capacidade de processamento, mas muito mesmo!

Nemo

Discordo, o piloto deve usar a Força.

Willber Rodrigues

Esse negócio de Metaverso deu um prejuízo dos diabos pro Facebook, que tava apostando nisso…

cerberosph

Com a nossa atual técnologia só idiota para acreditar na viabilidade do metaverso, me lembrou das TVs 3D que quando lançaram, a preços absurdos, seriam o padrão para as novas TVs, hoje nem se fabricam mais TV 3d

Willber Rodrigues

Eu achava que o Metaverso seria algo igual ao filme Jogador Nº 1´´, e o Mark Zuckemberg me vem com um Second Life´´ piorado…
Metaverso é uma solução pra um problema que simplesmente não existe.

PS: me lembro que meu 1º notebook, que comprei com o salário de meu 1º emprego, foi aqueles notebooks 3D da Positivo…. nem gosto de lembrar dessa burrice…

Rinaldo Nery

Lembrei do filme do Schwarzneger sobre isso… Esqueci o título.

Felipe

Falando em drone, nenhuma reportagem do drone iraniano que furou todas defesas anti-aeres americanas e destruiu uma base americana inteira na Síria? Está sendo (propositalmente) pouco divulgando aqui na mídia ocidental..

Kommander

Bem lembrado, eu próprio havia esquecido. Ainda não vi nada a respeito, mas com a política atual do site, duvido que saia alguma coisa.

Fernando "Nunão" De Martini

Felipe e Kommander, isso aqui é uma trilogia de sites. Se não está neste, está em outro da trilogia, e já faz dois dias:

https://www.forte.jor.br/2023/03/24/apos-ataque-com-drone-suicida-na-siria-eua-retaliam-contra-instalacoes-usadas-por-iranianos/

cerberosph

Esse poste não é sobre o ataque e sim sobre a retaliação. Publicam o efeito é não a causa PQ será?

Fernando "Nunão" De Martini

Afffff
Fala das duas coisas, é só ler.

Nonato

Uma guerra tem diversas variáveis. Apenas a título de exemplo um AwACS tem sido uma importante ferramenta para “controlar” o espaço aéreo no teatro de operações. O alcance dos radares dos AWACS é na faixa de 400 a 600 km. Mas para serem mais efetivos teriam que operar mais próximos, talvez a 200 ou 300 km do TO. Ocorre que a essa distância poderiam ser atingidos por misseis ar-ar de longo alcance ou misseis terra-ar. Ou seja, atualmente ou num futuro próximo AWACS não terão vida fácil. Uma possibilidade seria um AWACS não baseado em aeronaves comerciais e stealth e,… Read more »

Fabio Araujo

A IA vai ser importante mas nunca vai substituir totalmente os seres humanos, não adiante pensar numa guerra só executadas por máquinas sempre teremos no campo de batalha o ser humano com usa criatividade e imprevisibilidade encontrando meios de vencer as IA’s e conseguindo vencer batalhas contra essa tecnologia.

Nonato

E não é só isso.
AI é para tomar decisões e processar informações.
A questão não é AI.
Não adianta AI se seu radar não consegue identificar um caça inimigo ou se seu missil não tem alcance para abate-lo.
IA não faz milagres.
É um cérebro que precisa de mãos e braços fortes…

Luis H

penso diferente, em muitas funções as a.i. já são superiores, o q falta é confiar no equipamento q sempre pode ser sujeito a falhas/hacking, mas como o inimigo sempre vai avançar a tecnologia e com isso ter superioridade todos vão ser levados a isso querendo ou não, assim como não adianta tentar lutar com uniformes coloridos marchando em formação como já foi o padrão em certa época, de nada adiantando chamar inimigos camuflados de covardes sem honra. não existe uma questão subjetiva q faça um exercito ser aniquilado e não mudar de postura. e além do desempenho há outras vantagens:… Read more »

Luis H

esse resultado 0-5 foi mais um passo da história sendo dado na nossa frente com as a.i. civis fazendo o q fazem de graça pra qq um na net, difícil imaginar o potencial de i.a. militar. o hal9000 já ficou bem pra trás, lembro no meado dos anos 80 na série airwolf qdo o piloto foi orientado pelos militares a não tentar engajar um avião pilotado por a.i. apesar de ser totalmente fantasiosa, neste episódio, talvez a série seja profética (como tb no filme 2001, ao apresentar tablets, só quem viveu a época sabe o quão futurista e imprevisível foi… Read more »

Marcelo M

A dúvida que tenho é: por qual motivo esse controlador humano precisa estar em voo? Isso é por causa do delay nas comunicações à distância? Nesse caso, não faria sentido se ele estivesse na retaguarda, em uma aeronave de controle?