Uma crítica à política indiana de ‘offsets’, citando exemplo turco do F-35

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Na terça-feira, 6 de setembro, o Business Standard publicou análise do articulista Ajai Shukla, a respeito da política indiana de ‘offsets’ (compensações) em compras no setor de Defesa. Para Shukla, o Ministério da Defesa Indiano está voltando atrás em seus programas de offsets, sob a pressão de um cartel de vendedores internacionais de armas.

O argumento desses vendedores, que o Ministério inexplicavelmente teria engolido, é que as empresas de defesa indianas não teriam a capacidade de absorver os bilhões em compensações que virão nas compras desta década – a maior da história. As empresas indianas tem protestado e, segundo Shukla, ao invés de se aproveitar a oportunidade proporcionada pelos offsets, para o que seria necessário planejar claramente e se estruturar, simplesmente se está deixando as compensações tomarem um peso irrelevante.

Esse aparente desinteresse vem de uma falha fundamental na visão indiana sobre offsets. Devido a anos de sanções tecnológicas, a percepção seria de que qualquer um que oferecesse alta tecnologia em armas para a Índia estaria fazendo uma gentileza. Além dessa posição subserviente, está a noção de que não se deve fazer pedidos específicos – o que quer que essas pessoas tão gentis tenham a oferecer, está bom. Consequentemente, ninguém até hoje enunciou a meta do programa de offsets da Índia. É para incentivar a fabricação de equipamentos de defesa? É para ter acesso a alta tecnologia? Ou para garantir o apoio, durante o ciclo de vida, das armas que serão compradas? O seu palpite nesse assunto vale tanto quanto o meu.

Sem essa meta articulada, não surpreende que nenhum departamento do Ministério da Defesa detenha o poder sobre os offsets. A “Defence Offsets Facilitation Agency” (DOFA) não se responsabiliza por nada que vá além da “facilitação”. Assim, não tem equipes nem autoridade para examinar propostas de compensações, ou analisá-las em sua viabilidade financeira, auditá-las ou endossá-las. Isso deixa à “Acquisition Wing” a decisão chave sobre qualquer proposta de offsets. Como este mesmo jornal (o Business Standard) já mostrou em suas matérias recentes sobre offsets, a linha da Acquisition Wing é a seguinte: não deixe as compensações atrasarem as aquisições – aceite qualquer proposta de offset que o vendedor ofereça.

Vamos dar uma olhada nas oportunidades que estão sendo perdidas. A Índia deverá gastar entre 45 e 50 bilhões de dólares em compras externas de armas nesta década, com requerimentos de offsets de 40% (o contrato MMRCA – avião de combate multitarefa de porte médio – exige 50%). Isso significa 20 bilhões de dólares de compensações que deverão ser realizados nos próximos 15 anos (período dos contratos). A indústria indiana precisará absorver perto de 1,3 bilhão em offsets a cada ano.

A Força Aérea Indiana, em seu programa de modernização de 10 anos, deverá ver a produção local do MMRCA, o caça de quinta geração russo-indiano (FGFA) e o avião de transporte multitarefa (MRTA), o avião de transporte médio (MTA) que substituirá o Avro, o jato de treinamento intermediário Sitara da HAL – Hindustan Aeronautics Ltd’s (IJT), o avião de transporte leve Saras do National Aerospace Laboratory, o avião de combate leve Tejas (LCA), novos helicópteros, incluindo um modelo de ataque leve (LCH) da HAL. Estabelecer cada uma dessas linhas de produção custará muito dinheiro, incluindo a base de pesquisa e desenvolvimento, instalações de testes, suprimentos etc. E isso apenas no setor aeroespacial. Assim, os executivos chefes das empresas indianas se perguntam: onde está a dificuldade de absorver 1,3 bilhão de dólares em offsets por ano?

O Ministério da Defesa parece esquecer que empresas indianas exportaram mais de 60 bilhões de dólares em produtos ligados à engenharia, no último ano, apenas para os Estados Unidos (dados do Ministério do Comércio).

O Ministério da Defesa Indiano tem muito o que aprender de países em desenvolvimento com muito menos poder de compra que a Índia, e que traduziram offsets por se colocar num mesmo patamar estratégico. A Turquia utilizou tecnologia obtida por compensações para desenvolver um componente para o caça norte-americano F-35 JSF   (Joint Strike Fighter), eventualmente tornando-se o único fornecedor desse componente. Quando os EUA deixou de considerar o papel da Turquia como um fornecedor, o país entrou numa verdadeira briga de “Davi contra Golias”, segurando suprimentos e causando um atraso de 17 meses no programa do F-35, até que os EUA entrassem na linha. Assim, a Turquia demonstrou como offsets podem ser transformados num papel crítico dentro de uma cadeia de suprimentos global.

FONTE: Business Standard (tradução, adaptação e edição: Poder Aéreo)

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Almeida

Ótima matéria! Me identifiquei com os indianos, num menor grau, mas me identifiquei.

Mauricio R.

Não é a toa, que a imprensa especializada de lá, chame o FGFA de “Farse” ao invés de “Fifth Generation Fighter Aircraft”.
Os hindús estão no programa, p/ pagar as contas, nada além disso.

edcreek

Olá, Materia interessante, mas vejo que é um pouco dramatica veja que a HAL tem o projeto do Tejas(uma especie de Jaguar) e a fabricação local de varios componentes do Su-30 além de uma linha de montagem na India, acho que eles pecaram na turbina, porém a Industria deles tiraram proveito dos caças que foram comprados nas decadas passadas com o Tejas, e nessa decada com fabricação local de bastante coisa do Su-30. No T-50 a previsão é pessimista ao meu ver, a India já deixou claro que quer uma versão bem diferente da Russa nesse ponto entra a experiencia… Read more »

Mauricio R.

A Índia pode dizer o que bem quiser, se os russos não concordarem, nada muda. A própria fabricação local sob licença do Flanker-H é uma exemplo disto, os hindús reclamam qnto a ToT, pois esta se limita a know how de produção e não aos know whys do design. Interessante que em relação aos chineses, os russos não foram nem capazes e menos ainda eficientes, em lhes bloquearem suas demandas. Os chineses, logo se cansaram de montar “Lego” de Flanker e partiram p/ a nacionalização forçada do mesmo, apesar das queixas da indústria russa. E nem por isso os russos… Read more »

edcreek

Olá, Mauricio R. a imprensa tambem pode dizer o que quizer mas os frutos estão ai: -Tejas caça multiuso de custo interessante que será produzido em numero fantastico; -HJT-36 Sitara, treinador multiuso com previsão de capaçidade leve de ataque; -LCH-Heli de ataque medio em desenvolvimento; -Componentes nacionais de Su; etc, etc… Os frutos podem não ser ainda uma maça mas são sem duvida uma acerola(não são o que ha de mais moderno, mas servem para complementar com louvor outros meios), e são reais, não dá para comparar a India com o Brasil, as tecnologias adquiridas em compras passadas estão tendo… Read more »

Mauricio R.

A única evidência que eu vejo, é a falta de foco e pulso dos hindús, enquanto comparados aos turcos. Aliás até entre a força aérea e a marinha indianas. A marinha foi bem mais assertiva, ao adquirir acesso ao design da fragata “Leander”, conseguiu derivar 3 classes de navios distintas. No mesmo período a HAL fabricou 850 exemplares em diversas versões do Mig-21, somente p/ se voltarem aos russos qndo necessitaram fazer um update em parte dessas mesmas aeronaves. Não conseguiram produzir um treinador avançado, digno do nome, apesar da produção sob licença do Gnat, aliás nem ao menos se… Read more »

edcreek

Olá, DrCockroach deixe o finado descançar em paz ele já foi desclassificado na India lembra…. Mauricio R. não entendo como voce considera os projetos Indianos apostas? são projetos praticamente pronto e em vias de produção, no caso do Tejas o primeiro esquadrão deve entrar em operação ano que vem. Voce cita a Turquia mas não vejo toda essa evolução não, eles tem um projeto novo de treinador e ataque leve que ainda nem tem prototipo, agora se vc considera fazer uma peça mais importante do que fazer o projeto inteiro de um avião como os Indianos eu não questiono mas… Read more »