ESPECIAL: 80 anos da vitória da FAB na defesa do Atlântico Sul – Parte 2

Marchando para guerra: à medida que o perigo se tornava cada vez mais real para o Brasil, o governo de Getúlio Vargas promoveu uma completa reestruturação das forças armadas, criando inclusive uma arma aérea independente, a FAB. Créditos: Acervo da Biblioteca Nacional
O choque de uma Guerra Mundial (1942)
Por Lorenzo Baer
O ano de 1942 representaria um período transitório, visto que durante a primeira metade do ano, apesar do rompimento das relações com os países do eixo, o Brasil não se encontrava formalmente em estado de guerra. Somente em 22 de agosto de 1942 que essa posição mudaria, com a formalização do alinhamento do Brasil ao lado das potências aliadas. No entanto, os primeiros meses de 1942 representaram um período tenso e oportuno para a estruturação de um plano de defesa do Brasil, para uma guerra que, já se sabia, seria iminente.
Apesar de esperar uma reação rápida das forças do eixo ao rompimento das relações diplomáticas, pouca atividade submarina se desenvolveu na costa brasileira nos primeiros meses de 1942. A grande retaliação veio em outros cenários da guerra, em especial, na região do Caribe e Atlântico Norte, quando nada menos que cinco navios brasileiros (Buarque, Olinda, Cabedelo, Arabutã e Cairu) foram atacados entre os meses de fevereiro e março.
Somente na segunda semana de março é que os brasileiros puderam sentir de perto os impactos da guerra, quando o submarino Calvi realizou a primeira incursão bem-sucedida de uma belonave do eixo na costa do litoral nordeste, com as vítimas sendo o cargueiro Balkis, de bandeira Norueguesa, e petroleiro panamenho Bean Brush.
Apesar dessas baixas ao longo da costa demonstrarem a ineficiência (ou melhor, a inexperiência) da arma aérea brasileira em lidar com os conceitos de uma guerra antissubmarino, esse período entre o rompimento das relações e a declaração formal de guerra foi de extrema valia, visto que permitiu que a Aeronáutica começasse a planificar um projeto colossal de reestruturação.
O primeiro passo importante nesse processo foi a criação das Forças Aéreas Nacionais (FAN) com a integração dos braços aéreos da Marinha e Exército em um comando unificado em janeiro de 1942. Como uma formação provisória e de transição, a FAN foi substituída em maio pela Força Aérea Brasileira (FAB).
No entanto, a procura por uma identidade própria foi apenas o primeiro passo na jornada de planificação de uma nova força aérea em estado de guerra, que incluía também os demais pontos principais:
- Profissionalização e adestramento das tripulações de terra e ar;
- Construção e, quando já existentes, expansão de aeródromos, que se formariam parte de um cinturão integrado de defesa, que contava com o apoio do Exército e da Marinha.
- Distribuição das forças existentes nos pontos mais sensíveis da costa brasileira, até que novas aeronaves fossem recebidas;
- Compra de novos aviões, mais modernos e adaptados aos mais diversos perfis.
Para a parte um do plano, relacionado a profissionalização e adestramento, o primeiro passo foi a busca da FAB por novos aparelhos de treinamento, que aperfeiçoaram os pilotos já existentes no plantel da unidade, e que também ajudariam a formar novos cadetes, que seriam extremamente necessários no caso de uma guerra prolongada.
Por sorte, a Força Aérea Brasileira já contava à época com uma razoável base de treinadores modernos, entre eles, os NA-72 citados no capítulo anterior. No entanto, devido ao ambicioso plano de expansão, foram também incorporados 50 Vultee BT-15 e 30 Fairchild PT-19, entre abril e agosto de 42. O recebimento de tais aeronaves permitiu a maior dinamicidade no processo de formação de novos pilotos, que não precisavam mais depender de um número limitado de aeronaves.

No entanto, talvez a parte mais importante do treinamento tenha sido aquela obtida de maneira prática, principalmente por intermédio dos esquadrões americanos que vieram se instalar temporariamente no Brasil.
A primeira unidade importante estrangeira a se estabelecer nas terras tupiniquins foi um destacamento do esquadrão da Marinha dos Estados Unidos (USN) VP-52, equipado com seis Catalinas PBY-5, no final de 1941. Posteriormente, a unidade foi substituída por outra unidade da USN, o VP-83, com uma composição idêntica de aeronaves, em abril de 42.
Muitos pilotos brasileiros aproveitaram a oportunidade de aprender com seus semelhantes americanos mais experientes, tendo aulas sobre as doutrinas da guerra antissubmarino, missões de escolta de comboios e navegação aérea sobre o mar. O aprendizado muitas vezes se completava com a participação dos cadetes brasileiros em operações de guerra reais, com tripulações mescladas de brasileiros e americanos.
Um outro fator não muito observado foi também que tais aeronaves permitissem uma chance única de aprendizado para equipes de terra, que tinham um número muito maior de aeronaves para cuidar e manter. Também permitiu a familiarização dos mecânicos com os aparatos americanos, que formaram a espinha dorsal da FAB nos anos 40 e 50.
Para a parte dois do plano, se utilizava planejamento já iniciado em 1941, quando do levantamento dos pontos mais sensíveis da costa do país em caso de guerra, e como a aeronáutica estava preparada para enfrentar as ameaças que, porventura, pudessem surgir.
Três zonas críticas foram identificadas como as mais importantes para a defesa do litoral do Brasil em caso de guerra submarina irrestrita: a primeira compreendia o eixo Rio de Janeiro-Santos, com seu amplo tráfego mercantil, e por ser o principal ponto de entrada e saída do comércio internacional brasileiro. A segunda zona cobria o arco que ia de Recife até Fortaleza, devido ao funil que existia nessa região por conta da maior proximidade com a África. A terceira zona era aquela composta pela foz do Rio Amazonas, que era a via de escoamento da produção dos seringais, que estavam se revelando essenciais no esforço de guerra aliado.
Identificadas as zonas de perigo, a FAB, em conjunto com técnicos americanos, não tardou a pôr em prática um ambicioso plano de obras, que envolvia a construção e ampliação de uma dúzia de campos aéreos espalhados por todo o arco litorâneo brasileiro. No decorrer da Segunda Guerra, três deles se demonstraram de vital importância para o desempenho das missões da FAB: o Campo aéreo do Galeão, no Rio de Janeiro, o campo aéreo de Parnamirim, no Rio Grande do Norte, e a pista do Alto da Balança, no Ceará.
Com a exceção do Galeão, que já contava com uma infraestrutura razoável por ser o principal campo de pouso da capital federal desde o começo dos anos 30, tanto Parnamirim quanto o Alto da Balança se converteram, entre 1941-42, de pequenas pistas de pouso para verdadeiras bases aéreas, equipadas para servir esquadrões inteiros em suas instalações.
Enquanto as construções já se achavam em ritmo avançado, a FAB progrediu para o passo três, dividindo as unidades aéreas já existentes pelas principais zonas de operação. Para Fortaleza, foram direcionadas algumas aeronaves de treinamento e patrulha, por exemplo, um punhado de NA-72 e Fw 58 Weihe; em Parnamirim, se instalaram alguns Weihe e Corsair; no Rio, foi mantida a força principal, composta por mais alguns Weihe, os SM.79 e os caças Boeing; e, em Canoas (RS), foram destacados parte dos Vultee V.11-GB2.

Por sorte, os pilotos brasileiros não tiveram que esperar muito para que as primeiras remessas de material chegassem às nossas terras, aliviando em muito o fardo das antigas aeronaves. Dando início ao passo quatro, o último do planejamento inicial de guerra, o primeiro lote de ‘novas’ aeronaves desembarcou no Brasil já em fins de fevereiro: 12 Curtiss RP-36A Hawk, seis Curtiss P-40E-1, seis B-25B Mitchells e dois Douglas B-18 Bolo.

Apesar de modernas para os padrões modestos da FAB à época, muito bem que todos esses modelos poderiam ser considerados verdadeiras sucatas voadoras. Os RP-36A eram o caso mais alarmante, pois foram entregues pela Força Aérea do Exército dos EUA (USAAF) à FAB já no limite de suas vidas operacionais – não é para tanto que dos 10 aviões do lote, cinco foram perdidos em acidentes.
Todas essas aeronaves foram imediatamente designadas para Fortaleza, constituindo uma unidade de conversão e treinamento. Apesar desse papel bem definido, era óbvio que devido a escassez de aeronaves modernas, tais treinadores também fossem utilizados em missões ofensivas. E assim ocorreu, com os Mitchells atuando como aeronaves de patrulha ao longo de todo litoral nordestino, encontrando e atacando regularmente submarinos italianos.

Como maior exemplo do propósito duplo do emprego dessas aeronaves, pode ser dito que a primeira aeronave da FAB a entrar em combate real na guerra foi um B-25B, número de cauda 40-2245. Tal fato aconteceu em 22 de maio, precisamente entre Fernando de Noronha e o Atol das Rocas. O B-25 atacou com bombas o submarino Barbarigo, da Marinha Italiana, que havia atacado o navio brasileiro Comandante Lyra quatro dias antes.

O fim das obras de expansão do campo aéreo de Parnamirim em fins de maio de 1942 proveu uma oportunidade bem-vinda de aumento nas capacidades ofensivas e defensivas da FAB, que agora contava com uma outra grande base aérea operacional no Nordeste – local que já estava se provando o principal foco de atividade submarina no litoral brasileiro.
No entanto, apesar da situação ter melhorado substancialmente desde o começo do ano, a FAB ainda se encontrava longe de seu estado verdadeiramente operacional. O choque de realidade veio em agosto, o período derradeiro antes da entrada oficial do Brasil na guerra, quando a perda dos navios Baependi, Aníbal Benévolo, Araraquara, Arará, Itagiba e Jacira na mão dos U-Boots custaram a vida de mais de 500 brasileiros e causaram vergonha à própria FAB, pela ineficiência na proteção de seus próprios cidadãos.
Em fins de setembro, os campos aéreos de Fortaleza, Recife e Rio Grande do Norte se encontravam em estado de alerta, servindo de base para um sem-número de patrulhas que tinham como objetivo inibir as operações submarinas no Nordeste. Para isso, todas as aeronaves disponíveis, inclusive alguns dos velhos Vought Corsair, foram utilizados em missões de patrulha, além da proteção dos primeiros comboios organizados no Brasil.
Entre novembro e dezembro o poder aéreo na região Nordeste aumentou exponencialmente com o envio de alguns Weihe adicionais, que até então se encontravam estacionados no Rio de Janeiro. No entanto, a aquisição mais importante para os esquadrões que patrulhavam a costa brasileira nesse período foi o primeiro lote de 10 A-28 Hudsons importados diretamente dos EUA, e que eram as primeiras aeronaves da FAB dedicadas a missões de patrulha em mar aberto.

Com uma autonomia máxima de 3.150 km, os Hudsons foram uma das aeronaves mais versáteis da guerra, tendo um currículo espetacular como caça-submarino. Ao longo da guerra, a FAB incorporaria um total de 28 exemplares desse capaz bimotor, que suportaria o fardo de algumas das missões mais longas e perigosas do conflito.
Apesar do recebimento de novas aeronaves e aumento no nível de prontidão das forças, o final de 1942 se provou melancólico para as unidades aéreas brasileiras e americanas que se encontravam estacionadas ao longo do litoral.
Apesar da redução no número de afundamentos na costa brasileira (somente dois barcos foram perdidos por ação inimiga entre setembro e dezembro), continuava em zero o número de U-Boots afundados pela aviação ao longo da nossa costa.
Não faltaram embates, quase todas envolvendo aeronaves dos EUA contra submarinos alemães e italianos, mas o resultado das missões era sempre o mesmo: confirmação de danos no submarino adversário, mas sem serem fatais, o que permitia a fuga das esguias belonaves do Eixo.
No entanto, 1943 já se aproximava no horizonte – e com ele, a possibilidade de que os louros de tanto trabalho fossem finalmente colhidos.
Na Parte 3: No céu azul voava o Arará (1943)
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Há um excelente livro sobre a presença e atuação da Aviação de Patrulha da US Navy nossa costa.
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Muito bom esta série de postagens sobre os 80 anos da participação da FAB na defesa do Atlântico Sul, Em Natal a BANT foi ativada em 1942 a base brasileira localizada no Setor Oeste do aeródromo, e a americana no Setor Leste.Era o Trampolim da Vitória. Parnamirim Field foi a maior base dos Americanos fora dos EUA…e pouco se lembra sobre isso.