‘Pense e voe como o inimigo’: as unidades agressoras da Força Aérea do Exército de Libertação Popular da China

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Por Sérgio Santana*

Quando o assunto são esquadrões de treinamento de táticas aéreas adversárias (ou “agressoras”) é comum se mencionar unidades tradicionais no tema, a exemplo das integrantes da Forças Armadas norte-americanas, como o 18º e 64º Esquadrões Agressores da Força Aérea dos Estados Unidos, sediados nas Bases Aéreas de Eielson e Nellis, respectivamente, ou, ainda, os esquadrões VFC-12 (na Estação Aeronaval de Oceana) e VFC-13 (baseado em Fallon), subordinados à Marinha daquele país.

Outras unidades agressoras menos comentadas incluem o Grupo de Treinamento de Caças Táticos da Força Aérea de Autodefesa do Japão, baseado em Komatsu ou o Esquadrão 115 (conhecido como “Dragão Voador” ou “Esquadrão Vermelho”) da Força Aérea de Defesa de Israel, baseado em Ovda.

Contudo, menos conhecidas ainda são as unidades que integram o Centro de Treinamento e Teste de Voo da Força Aérea do Exército de Libertação do Povo da China (PLAAF), organizado em bases e unidades espalhadas pelo território chinês.

Base de teste e treinamento de Cangzhou

A Base de Treinamento e Teste de Voo Cangzhou, que também é chamado Centro de Teste e Treinamento de Voo, está localizada na província de Hebei. Foi oficialmente estabelecida em 1987, embora a base tenha sido construída inicialmente em 1953. A instalação passou suas primeiras décadas evoluindo e se expandindo para refletir a modernização das forças armadas chinesas.

No final dos anos 1980 e início dos anos 1990, a base solidificou seu papel como instalação para treinamento dos pilotos de elite. Cangzhou é o lar da primeira unidade agressora da PLAAF, equipada com caças Chendu J-10 e desempenha o papel da força aérea inimiga em Treinamento no âmbito daquela Força Aérea.

Enquanto os militares ocidentais tradicionalmente treinam contra uma unidade ou conjunto de unidades que desempenha o papel da força de oposição e rotula esses elementos de “Força Vermelha”, os esquadrões agressores chineses são conhecidos como a “Força Azul”. Alegadamente, o lema da unidade é “pense e voe como o inimigo”.

Neste contexto, o J-10 da “Força Azul” J-10 da PLAAF desempenha o papel de um oponente em simulações realistas de treinamento de combate aéreo livre, ajudando assim a resolver o problema das unidades daquela Força Aérea quanto ao treinamento contra um adversário e combate em um ambiente simulado. Segundo posicionamento oficial, o envolvimento da unidade de J-10 da “Força Azul” permite que os pilotos de ambos os lados dos exercícios participem de um treinamento de combate aéreo livre que os preparará melhor para futuros campos de batalha na arena aérea.

J-10A

Alegadamente, o treinamento da “Força Azul” da PLAAF simulou unidades da força aérea da União Soviética no início das suas operações, e os elementos opositores mais tarde passaram a desempenhar os papéis de Taiwan e os Estados Unidos como adversários simulados.

Além de fornecer treinamento realista por meio de unidades agressoras, a Base de teste e Treinamento de Cangzhou proporciona à Força Aérea chinesa um local para desenvolver táticas modernas de combate aéreo. Reportagens oficiais indicam que a unidade de Cangzhou é responsável pelo desenvolvimento de táticas e técnicas, programas de treinamento e certificação de novos equipamentos. Especificamente, Cangzhou é onde a Força Aérea do Exército de Libertação do Povo da China desenvolve ainda mais táticas que se originam no papel no Colégio de Comando daquela Força Aérea.

J-20

Acredita-se que as unidades agressoras da “Força Azul” de Cangzhou tenham a responsabilidade de traduzir a orientação doutrinária de cima para baixo, na cadeia de comando, em táticas de combate aéreo.

Além disso, o componente de teste dos esquadrões agressores de Cangzhou também se dedicam a avaliações de protótipos de todos os novos modelos de aeronaves de caça antes de serem aprovados para entrega pela fábrica para uma unidade operacional. Em algum ponto durante a fase de teste, um protótipo é enviado para o aeródromo de Xi’an Yanliang Airfield, onde a principal unidade de voo de teste da PLAAF está localizada. As unidades agressoras em Cangzhou abrangem o 1º Regimento, equipado com o já mencionado Chengdu J-10A/AS e o treinador Guizhou JL-9; o 2º Regimento opera os caças Chengdu J-7E e Shenyang J-8D/F, além do JL-9; e, finalmente, o Sukhoi Su-30MKK.

Base de Teste e Treinamento de Dingxin

A outra instalação de treinamento da PLAAF, Base de Teste e Treinamento de Dingxin, está localizada no lado oposto à Cangzhou, no noroeste da província de Gansu.

A Base de Teste e Treinamento Dingxin oferece aos pilotos chineses uma área operacional muito maior. Acredita-se que a Força Aérea chinesa tenha construído maquetes de instalações militares de Taiwan em Dingxin para permitir execuções de prática contra os alvos pretendidos. Especificamente, relatos de Taiwan indicam que a China construiu um campo de pouso simulado perto de Dingxin que parece ser quase idêntico ao da Base aérea de Chingchuankang.

As grandes áreas de treinamento disponíveis em Dingxin, portanto, dão à PLAAF oportunidades únicas para desenvolver proficiência nas estratégias e táticas inicialmente desenvolvidas em Cangzhou. As unidades avançadas que podem funcionar experimentalmente em Cangzhou podem ser praticadas até a perfeição em Dingxin e suas instalações de apoio. Além de servir como uma área de teste e treinamento para aeronaves, Dingxin tem uma área separada para testes de superfície mísseis.

Dingxin também é o lar da competição Capacete de Ouro. Esta diferença de tamanho e localização é uma distinção fundamental entre as duas bases aérea de treinamento avançado da Força Aérea chinesa. Dingxin está localizado a uma distância significativa dos centros populacionais, dando aos pilotos militares chineses a oportunidade de se beneficiar de emprego real de armamento e a capacidade de treinar sob condições de bloqueio eletromagnético.

J-10

Por outro lado, Cangzhou permite que os pilotos realizem testes e treinamento nas zonas de voo apropriadas sobre o Golfo de Bohai, que está se tornando ainda mais relevantes à medida que a Força Aérea chinesa expande seu alcance marítimo. As duas instalações podem, portanto, ser vistas como complementares, e este arranjo permite que os pilotos avançados em Cangzhou trabalhem para traduzir novas orientações teóricas em táticas, técnicas e procedimentos operacionais.

Dada a distância de Dingxin, a Força Aérea chinesa pode dar aos seus pilotos oportunidades de treinamento para praticar novas táticas e métodos de combate. Além disso, a grande instalação de Dingxin oferece espaço para grandes exercícios, incluindo o exercício anual Espada Vermelha/Espada Azul, que visa preparar a PLAAF para a possibilidade de um combate futuro de alta tecnologia contra adversários altamente capazes.

Notavelmente, no entanto, a Enciclopédia da Força Aérea chinesa agrupa os dois conceitos e apenas chama de táticas por uma questão de simplicidade.

J-16

Como regra geral, a Escola de Comando da PLAAF em Pequim desenvolve táticas de combate no papel, que são posteriormente desenvolvidos no ar na Base de Teste e Treinamento de Cangzhou /Cangxian na província de Hebei perto de Tianjin. A Força Aérea chinesa atribui às unidades aéreas operacionais o desenvolvimento de métodos de combate usando um processo de sete etapas que começa na unidade operacional e termina com teste e aprovação no Teste de Dingxin e na Base de Treinamento na província de Gansu.

Em ambos os casos, uma vez que as táticas e métodos de combate são desenvolvidos e aprovados, a Força Aérea chinesa então escreve regulamentos que todos devem usar para treinar em sua unidade operacional. Cada processo leva pelo menos um ano de elaboração e pode perdurar vários anos. Uma vez que os regulamentos são escritos, quaisquer mudanças exigem iniciar todo o processo novamente. Curiosamente, no entanto, os combates aéreos são considerados táticas, enquanto o abate de mísseis de cruzeiro é considerado um método de combate.

O ‘Capacete Dourado’

J-10, J-11 e J-20

A Força Aérea do Exército de Libertação do Povo da China estabeleceu a competição de combate aéreo “Capacete Dourado” em 2011 para “melhorar e avaliar as habilidades e capacidades dos pilotos em condições de combate.” De certa forma, a competição “Capacete Dourado” é uma reminiscência da competição ar-ar da Força Aérea dos EUA, William Tell, que ocorreu de 1954 a 1996 e novamente em 2004. Não está claro se o Capacete Dourado foi padronizado após esta competição, mas está claramente emergindo como um evento de alto perfil para a Força Aérea chinesa.

Na verdade, de acordo com informes das Forças Armadas chinesas, a competição Capacete Dourado é a “Competição suprema entre os pilotos de caça chineses”. Os vencedores individuais da competição anual recebem o prêmio Capacete Dourado, que “reconhece as habilidades táticas e proficiência”, bem como o direito de usar um capacete dourado durante o serviço.

Até mesmo o piloto e sua aeronave têm o logotipo Capacete Dourado. Ganhar o Capacete Dourado é a maior honra para qualquer piloto de caça da Força Aérea chinesa. Até o momento, 33 pilotos da Força Aérea do Exército de Libertação Povo da Chinesa ganharam capacetes de ouro, incluindo três pilotos chineses que são vencedores do prêmio duas vezes: Yan Feng (2012 e 2014), Jiang Jiayi (2011 e 2012) e Xu Liqiang (2012 e 2013).

Há também um prêmio de unidade, que é concedido à equipe com a maior pontuação total. Além disso, alguns pilotos que não ganham o prêmio Capacete Dourado recebem outros formas de reconhecimento especial. Especificamente, além dos vencedores do Capacete Dourado, três outros prêmios são dados, incluindo prêmios para unidades, pilotos individuais e pessoal de orientação em solo.

A competição do Capacete de Ouro reflete o desejo da China de avançar em direção ao treino de combate aéreo menos planejado. Relatos da mídia militar chinesa observam que, historicamente, o treinamento de combate aéreo da China “não podia corresponder às condições reais de combate, enquanto as forças aéreas de muitos outros países já estavam se engajando em um treinamento de “combate aéreo livre” muito mais realista.

A partir de 2009, a China propôs resolver este problema adotando o treinamento de “combate aéreo livre” e, em 2010, iniciou alguns novos programas de treinamento de pilotos. Em 2011, de acordo com uma reportagem, “o treinamento de combate aéreo livre e as competições foram estendidas a todas as unidades da Força Aérea”.

Uma questão importante intimamente relacionada ao treinamento de “combate aéreo livre” é a segurança de voo, já que a Força Aérea chinesa teve que flexibilizar seus padrões de segurança após a emissão do Esboço de Treinamento e Avaliação Militar de 2002, a fim de atender aos seus requisitos para um treinamento mais realista.


*Bacharel em Ciências Aeronáuticas (Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL), pós-graduado em Engenharia de Manutenção Aeronáutica (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG). Colaborador de Conteúdo da Shephard Media. Colaborador das publicações Air Forces Monthly, Combat Aircraft e Aviation News. Autor e co-autor de livros sobre aeronaves de Vigilância/Reconhecimento/Inteligência, navios militares, helicópteros de combate e operações aéreas.

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Luiz Trindade

É mano… Cada vez que vejo essas reportagens vejo com a China se prepara para uma batalha certa contra o Ocidente.
E o Ocidente com seu preconceito tacanho e medíocre continua a ignorar a China até o momento que ela tiver condições de bater na mesa e dizer que a partir daquele momento ela dita os termos. Vai ser terrível esse dia!

Maurício.

Eu acho que essa “batalha” vai ficar só mesmo com o poder de também “bater na mesa”, nem sempre para ditar os termos, mas para poder negociar.
Esse poderio chinês claro que é para rivalizar com os EUA, mas mais é para colocar medo/pressão em países de terceiro mundo e da própria região, exatamente como os americanos fazem, nada além disso.
Os americanos e seus fãs não se orgulham das “90,000 tons of diplomacy” de seus porta-aviões? Pois é, os chineses e seus fãs também querem ter esse “orgulho” e essa “diplomacia” toda.

Romão

“Esse poderio chinês claro que é para rivalizar com os EUA, mas mais é para colocar medo/pressão em países de terceiro mundo e da própria região, exatamente como os americanos fazem, nada além disso.”

Parabéns! Você acaba de descobrir os conceitos de PDV e PDH:
-Bater de frente com os EUA = poder dissuasório vertical (PDV);
-Bater de frente com países menores = poder dissuasório horizontal (PDH).

Last edited 1 ano atrás by Alexandre Galante
Hélio

Terrível pra quem, exatamente?

Terrível é quem dita dos termos enfiar agenda identitária goela abaixo dos outros.

Renato B.

Eu acho que muito pelo contrário, os EUA estão bem conscientes. A “virada para o pacífico” do Obama refletia justamente o desejo de sair do imbróglio do oriente médio e Afeganistão para se concentrar na China, além da preocupação com a nova rota de seda, criar a cooperação transpacífico etc. Saiu no FORTE mesmo uma longa matéria sobre as estratégias de contenção da China. Tem um conceito de mais de 2.000 anos chamado Armadilha de Tucídides que descreve bem a inevitável tensão entre uma potência emergente e a tradicional.

Maurício Siqueira

O meu questionamento é apenas se a diplomacia chinesa é parecida com a americana. Se a china vai negociar apenas financeiramente se faltar alimentos para os 1,5 bi de habitantes. Pra mim os chineses não tem negociação, se não venderem, vão tomar a força, o que eles quiserem.

Fernando

Existem fatos na historia que suportem essa suposição? E por que, caso aconteça com os USA, voce acha que eles agiriam diferente?

Maurício Siqueira

Fernando, como a china lida com os questionamentos de outros paises em relação a engenharia reversa? a cópia de produtos com patentes? e com a diplomacia dos povos Uigures??

Maurício.

Maurício, em relação as cópias, não tem santo nessa história, os grandes sempre vão se espionar, os americanos já espionavam os ingleses para descobrirem seus segredos indústriais quando ainda eram colônia, roubaram tecnologias e patentes dos alemães na segunda guerra, alguns dão desculpas que foi espólio de guerra, tudo bem, mas e os cientistas e engenheiros criminosos de guerra que os americanos simplesmente perdoaram e levaram para os EUA para trabalharem para eles e em especial o von Braun? Os grandes sempre vão tentar prejudicar os adversários, seja por meio da espionagem, seja pela diplomacia, seja pela pressão, basta ver… Read more »

Maurício Siqueira

Xará, que os países são predatorios e sempre vão fazer politicas para o seu ganho interno é óbvio. Desde que o mundo tem fronteiras é isso que vamos ver, porem acho muito mais agressivo e menos diplomático os chineses, e certamente genocidio do proprio povo, por motivos religiosos a China supera.

Maurício.

Quanto aos motivos religiosos eu concordo com você, os americanos ainda tem liberdade religiosa, diferente dos chineses.

Heinz

“E o Ocidente com seu preconceito tacanho e medíocre continua a ignorar a China”
Creio que está sua afirmação esteja obsoleta, os Yankerss já estão cientes que a China é o adversário da vez, e estão colocando esforços para que os chineses não o superem.
É só ver pelas últimas declarações de autoridades americanas e militares.

Romão

Os chineses devem estar torcendo para que os ucranianos tenham acesso à um punhado de F-16, com pilotos poloneses no pacote, para saber das táticas que a OTAN utiliza atualmente, com aquela plataforma.
Os venezuelanos já devem ter cansado de prestar consultoria, mas duvido que suas táticas com o F-16 sejam atualizadas.

Antunes 1980

A China têm capacidade de construir sozinha motores para seus vetores J-10, J-11 e J-20?

Alexandre Galante

Sim, a China já está produzindo o motor WS-10B para o J-10 e o WS-10C para o J-20.

Filipe Prestes

Toda vez que vejo alguma foto do J-20 em comparação com outros caças custo a acreditar no tamanho desse bicho. É exageradamente grande, deve dar quase dois Gripen em comprimento.

Romão

O Gripen é o F-5 do século XXI.

Digo

Os J-11 tem o mesmo tamanho.

J-20

Ele é só 1 ou 2 metros mais comprido que o Su-57

Heitor

‘Alegadamente, o lema da unidade é “pense e voe como o inimigo”.’

Bom.. se não fizerem isso, o que seria uma unidade agressora?

Leo Barreiro

Fico imaginando se tivéssemos tido verba para manter os Mirage 2000 em condições de voo, junto com um “punhado” de F5’s ou mesmo quem sabe alguns AMX’s e uns T27, se não conseguiríamos ter um esquadrão agressor aqui no Brasil.

Mas, ai eu lembro que a alguns anos atrás aqui no fórum o pessoal dizia que os nossos pilotos não tinham as horas de voos mínimas recomendadas pela OTAN.

Imagina ter um time de agressores… Sonho meu…

Rinaldo Nery

T-27 tem um monte lá em Lagoa Santa…

Emmanuel

“”() combinou com os russos?” – Garrincha.
Treino é treino, jogo é jogo. E isso vale para qualquer lado.

Frederick

Fora do tópico, mas vale a menção; Feliz aniversário, F-15. Meio século de superioridade aérea.

Heinz

o J10 é um belíssimo caça, creio que seria a melhor opção para os argentinos.

Kit Carson

No final, me parece que as doutrinas ficam muito parecidas.
Bacana ver o “windows” ali no meio do vídeo, hehehehhe. 🙂

Caerthal

Vão ter que pensar muito, até porque não faltará inimigo para essa gente caridosa.

Machado

O ocidente subestima a China em combate. Eles aprenderam muito com seus erros no século 19. Eles vão surpreender quando chegar a hora.

FernandoT

O que as pessoas parecem ignorar é que num mundo de economia absolutamente globalizada e interligada, mesmo as maiores potências militares do mundo sempre irão evitar ao máximo os conflitos militares de grandes proporções, especialmente contra outras potências. Isso porque todos perdem, sempre. A escala bélica da China nos últimos 25 anos é muito mais um instrumento para defesa dos seus territórios e áreas de interesse – Taiwan e eventuais conflitos com o Japão, por exemplo – do que um movimento de ordem imperialista, como fazem os americanos. Por trás de todo diplomata há – ou não – um poderio… Read more »