MQ-9 Reaper

A flexibilização das restrições aos ataques aéreos pelos EUA levou a um aumento de ataques em todo o Oriente Médio, Afeganistão e países vizinhos

Por Umar A Farooq – Washington

Em 2019, ataques aéreos dos EUA e de seus aliados no Afeganistão mataram 700 civis, mais do que em qualquer outro ano desde o início da guerra em 2001 e 2002, de acordo com uma nova pesquisa do projeto Cost of War da Brown University.

Os novos dados lançam luz sobre as políticas de guerra aérea do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em todo o Oriente Médio e em países vizinhos à região, que se tornaram menos restritos e mais opacos.

O relatório registrou o número de mortes de civis no Afeganistão por ataques aéreos dos EUA e do Afeganistão nos últimos três anos.

“De 2017 a 2019, as mortes de civis devido aos ataques aéreos dos EUA e das forças aliadas no Afeganistão aumentaram dramaticamente”, disse o relatório.

Acrescentou que “o número de civis mortos em ataques aéreos internacionais aumentou cerca de 330 por cento desde 2016, o último ano completo da administração Obama, até 2019, o ano mais recente para o qual existem dados completos das Nações Unidas”.

O número de mortes de não-combatentes também aumentou, devido a ataques aéreos da Força Aérea Afegã, que o relatório afirma ter sido feito para aumentar a influência nas negociações de paz com o Taleban.

Somente entre julho e setembro de 2020, a Força Aérea Afegã matou 86 civis e feriu mais 103 com o uso de ataques aéreos, disse o relatório.

A autora do relatório, Neta Crawford, disse ao Middle East Eye que ela não poderia dizer qual proporção desses ataques aéreos eram de drones ou aeronaves tripuladas.

Ainda assim, o Bureau of Investigative Journalism disse acreditar que a maioria dos ataques aéreos no país vieram de drones.

Em setembro, o projeto da Brown University publicou um relatório que dizia que pelo menos 37 milhões de pessoas haviam sido deslocadas como resultado da “guerra ao terror” dos EUA.

Civis como ‘peões políticos’

A razão para o alto número de civis mortos nesses ataques resultou de um movimento do governo Trump que relaxou as restrições à guerra aérea.

“Quando os Estados Unidos reforçam suas regras de engajamento e restringem ataques aéreos onde civis estão em risco, as vítimas civis tendem a diminuir”, disse o relatório.

“Quando ele afrouxa essas restrições, civis são feridos e mortos em maior número”.

Sahar Ghumkhor, pesquisador em psicanálise, raça e gênero da Universidade de Melbourne, Austrália, disse que o aumento de vítimas civis no Afeganistão foi amplamente visto pelos EUA e seus aliados como “dano colateral ou peões políticos” para criar uma vantagem contra o Talibã.

“Mesmo enquanto o número de civis mortos aumenta, a segurança humana e a autodeterminação afegã nunca foram o objetivo desta guerra”, disse Ghumkhor ao Middle East Eye.

“Acho que o número de civis mortos também mostra é o quanto normalizamos a violência em algumas partes do mundo onde é até imaginável fazer política por meio da violência política.”

“Nesse aspecto, os EUA e seus aliados são responsáveis ​​pela maior parte da violência política no país”.

A guerra de drones de Trump no Oriente Médio

O ex-presidente Barack Obama foi duramente criticado por seu uso de ataques de drones, que foram 10 vezes maiores do que seu antecessor George W. Bush.

Por causa disso, junto com os anúncios de Trump de retirada de tropas da Síria, Afeganistão, Somália e Iraque, partidários do atual presidente declararam que ele fez mais para pôr fim às “guerras eternas” no Oriente Médio.

No entanto, o relatório da Brown University mostra que sob Trump houve uma escalada da guerra, por meio do uso de ataques aéreos, inclusive de drones, e que levaram a um aumento nas mortes de civis no Afeganistão.

No primeiro ano de mandato de Trump, seu governo diminuiu duas restrições para ataques de drones: remover a limitação que só permitia ataques a militantes de alto escalão e remover o processo de verificação anterior para ataques de drones.

Os EUA também relaxaram uma restrição às suas regras de combate, de modo que não precisassem mais estar em contato direto com as forças inimigas para realizar ataques aéreos.

“As consequências das regras relaxadas de engajamento foram imediatas”, disse o relatório do projeto Cost of War.

Essa tendência também existe em todo o Oriente Médio, com os EUA usando repetidamente ataques de drones no Iraque, Síria, Somália e Iêmen.

Em 2017, os ataques de drones no Iêmen aumentaram 300% em relação ao ano anterior, de acordo com dados compilados pelo Bureau of Investigative Journalism. O número de ataques de drones na Somália também aumentou significativamente sob Trump.

Ainda assim, o quadro completo desses ataques não é claro. Em março, o Comando Central dos Estados Unidos parou de publicar resumos mensais de seus ataques aéreos no Afeganistão.

Enquanto isso, grupos de direitos humanos criticaram o Comando dos Estados Unidos na África (US Africom) por não registrar adequadamente as mortes de civis em ataques aéreos na Somália.

Airwars, um monitor de guerra com sede no Reino Unido, descobriu que pelo menos 86 civis foram mortos no Iêmen em 2020 como resultado direto de ataques aéreos dos EUA. Os EUA não declaram um ataque de drones no Iêmen desde 2019.

O silêncio de Biden sobre ataques de drones

Apesar de suas muitas críticas às decisões de política externa de Trump, o presidente eleito Joe Biden permaneceu em silêncio sobre a questão dos ataques de drones.

O presidente eleito também escolheu Avril Haines para liderar as agências de inteligência da América. Haines foi um dos arquitetos das políticas de drones de Obama.

A escolha de Haines foi duramente criticada pela ala progressista do Partido Democrata e por ativistas anti-guerra, que pediram escolhas para o gabinete que não tenham ligações com empresas de defesa dos EUA.

Ghumkhor observou que “nenhum governo dos últimos 20 anos foi responsabilizado de forma alguma por esta violência crescente”, incluindo os governos Bush e Obama – um sinal de que Trump também pode não ser responsabilizado e Biden pode continuar com políticas semelhantes quando isso acontecer para ataques aéreos e guerra de drones.

Enquanto o Afeganistão term sido “percebido como a ‘guerra boa’, tem havido menos urgência em observar o papel dos EUA lá”, disse Ghumkhor.

FONTE: Middle East Eye

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Antunes 1980

O uso de drones de forma indiscriminada pelos estados unidos, desrespeita o direito humanitário internacional.
Na guerra Vietnã devido as dificuldades em vencer um inimigo motivado e organizado, gerou bombardeios a alvos civis, cidades e vilarejos.

Foxtrot

Pois é!
E os criminosos são comunistas e o povo do oriente médio.
Cadê o tribunal criminal de crimes de guerra para julgar os responsáveis por isso?
Nada como ser rico e super poderoso para fazer me&$#@da e sair impune!

Agressor's

Inúmeras guerras têm sido travadas pelos eua diretamente ou por mãos alheias a serviço deles…as forças especiais dos eua operam de forma sigilosa e aberta em mais de 130 países semeando perturbações…os eua são os maiores promotores do terrorismo pelo mundo…são eles que estão por trás das principais ações terroristas da atualidade e de derrubada de governos pelo o mundo que não se submetam aos seus interesses. A maior parte dos grupos terroristas que atuam pelo mundo hoje são na realidade grupos mercenários recrutados pela inteligência dos eua para levar caos e destruição a países alvos…os ataques que promovem contra… Read more »

Last edited 3 anos atrás by Agressor's
Vinicius Momesso

Esse é o grande “mal” dos Impérios. Como seria mundo se todas as grandes economias do mundo fossem “parelhas”?

João Pedro

A União Soviética não conseguiu dominar o Afeganistão e a ”democracia” americana também não. Isso é a prova que materiais militares de ponta tem pouca efetividade nos dias de hoje. O principal objetivo dessa guerra é não deixar o Afeganistão ter equilíbrio político e econômico, e isso nos garante que não existe mais a dominação de territórios como os colonizadores europeus faziam. Apesar de todos os males do Brasil, não existe radicalismo no nosso país, seja de movimentos políticos, separatistas ou religiosos. Todavia, a única forma de um país dominar o Brasil, é criando radicalismo no nosso país para nos… Read more »

Marcos 10

Discordo! Temos sim nossos radicais.
O Brasil tem quatro problemas graves.
1) Corrupção generalizada, que não atinge somente políticos, sendo esses apenas um extrato de nossa sociedade.
2) Duas guerras: uma ideológica e outra do crime organizado.
3) Impostos regressivos e excesso de burocracia.
4) Gastos públicos sem controle.

João Pedro

E isso pode ser mudado pacificamente.

PACRF

Acrescentaria mais dois itens em sua relação: 1) As milícias; 2) A destruição acelerada do meio ambiente.

Joao Moita Jr

5) Mais mortos a tiros anualmente do que todas as baixas militares dos Estados Unidos no Vietnã.

Wellington

radicalismo ambiental? O radicalismo tá é no governo atual, e se vc n enxerga isso, vc é o radical.

João Pedro

Meu amigo, querendo ou não, o presidente foi eleito democraticamente! Falhas existe em qualquer Governo! Assim como o Governo Bolsonaro é radical quando bate no pé dos ambientalistas radicais ( e com razão), a Dilma foi radical (e também com razão) quando se afastou dos EUA quando eles nos espionaram. Problemas do Brasil é um problema nosso, e não de terceiros.

Leandro Costa

Então… o objetivo principal tanto da invasão do Iraque quanto a do Afeganistão nunca foi o de trazer estabilidade e prosperidade econômica mesmo não. Foi a de concentrar e destruir qualquer tipo de ameaça aos EUA e seus interesses. O que vier depois é secundário. E não posso dizer que estão errados. Eu teria feito exatamente a mesma coisa.

Doug385

O presidente eleito também escolheu Avril Haines para liderar as agências de inteligência da América. Haines foi um dos arquitetos das políticas de drones de Obama.”

Quem imagina que Biden vai fazer menor uso da “diplomacia militar” do que Trump vai se surpreender quando constatar que ele é mais intervencionista do que seu antecessor.

ALISON

Pode ate ser, mas Biden não dá suporte para um louco sem educação e civilidade aqui na AL…

Lúcio Sátiro

Ahh, tá bem claro , é super fácil separar civil de terrorista no Afeganistão. Todo terrorista por lá tem fardamento e traje de combate completo, e uma luz piscando no capacete dizendo: “aqui é talibã, seus americanos frouxos.”
Essa conversa que talibã se veste igual civil e anda no meio deles para se disfarçar é pura lenda urbana.
Quem levou a violência politica para o Afeganistão, antes um poço de paz, prosperidade e garantias fundamentais com alto índice IDH , foram os malvados americanos.
Tudo pelo petróleo afegão kkkkk

Leandro Costa

Acho isso engraçado também. Muita gente revoltada. Guerra é assim, infelizmente. Latiram para o cachorro errado e acaba dando nisso. Fosse em outros lugares, não haveria nem repercussão.

Wagner

Traficante tambem nao usa uniforme.

Paulo Sollo

Seria interessante descrever o que se permite com o afrouxamento das regras de engajamento. Sabemos que muitas vezes existe uma dificuldade por parte dos operadores de drones em diferenciar civis de combatentes. Assassinar civis em nada afeta o moral dos Talibãs e em nada afeta os sentimentos dos políticos e militares americanos, ao contrário, é mais conveniente do que expor tropas a combates em terra. E estes povos para muitos deles valem menos que animais. Infelizmente esta nomeação do A. Haines pelo Biden demonstra que talvez a coisa vá piorar. E o detalhe é que não está dando certo. Não… Read more »

Wagner

A unica coisa a acrescentar no seu texto é que matar civis só aumenta a moral dos Talibãs, dando mais combustível para alimentar o ódio provocado pelos americanos. Sob o pretexto de “trazer democracia e liberdade” os EUA só trazem dor e destruição.

Antoniokings

Mais um crime para a história dos EUA.
Eles não estão nem aí.
E ficam ‘preocupados’ com os muçulmanos de Xinjiang.
‘Contem outra’.

Thiago

Eu queria apontar essa incongruência, quando são os EUA, a retaliação é considerada ” justa ” ou pelomenos inevitável. Não há crime , já a atitude chinês para conter a radicalização e no Xinjiang é o crime mais perverso da humanidade. Dois pesos e duas medidas.

Mauro

São os famosos civis do guarda chuva e máscara de ski sob sol escaldante… olha a chuva… pessoal….

Paulo Sollo

Tipo aqueles repórteres que foram metralhados no Iraque por um apache porquê um deles carregava uma filmadora?

Wagner

Faz muito tempo que o governo americano faz-se presente nos primeiros lugares da hipocrisia institucionalizada. Rouba de quem quiser (petroleo, posicoes geograficas estrategicas, entre outros), mata quem estiver atrapalhando seus anseios (centenas de milhares de civis no Iraque, só para dar exemplo, fora os alvos especificos) e atropela qualquer acordo internacional que vá de encontro ao seu apetite por tudo que há no mundo. E posa de mocinho bonzinho injuriado e ofendido.

XFF

Comentário perfeito!!!

Mabeco

Também endosso.

ALISON

Qualquer lúcido endossa!

Foxtrot

É na guerra não há ninguém bozinho.
As bombas e armas são inteligentes, mas a explosão, deslocamento de ondas de choque, calor e estilhaços não.

Sagaz

“Ataques aéreos de Trump no Afeganistão…”

Eu nem sabia que o Trump pilotava algo!

Thiago A.

Nem o Hitler trabalhava nos campos de concentração , isso não impede que ele seja indicado com responsável pelos crimes cometidos .

ALISON

Acabou de dar uma surra no babaca…

Vinicius Momesso

Pelo jeito as JDAMs não estão sendo tão efetivas assim na “preservação” da vida de civis.