Por Guilherme Poggio

Os suecos possuem obsessão pela ocupação do espaço subterrâneo. Essa preocupação fica mais evidente na estratégia empregada pelas Forças Armadas Suecas entre as décadas de 1940 e 1980. Neste período foram construídas bases aéreas, bases navais, paióis, depósitos de materiais diversos e abrigos para a população. Tudo subterrâneo. Até mesmo uma fábrica de aviões subterrânea foi construída e este é o tema da presente matéria.

O ano de 1940 foi agitado para a Escandinávia. A Finlândia lutou contra os soviéticos na Guerra Soviético-Finlandesa (alguns preferem o termo “Guerra de Inverno”) até a assinatura do tratado de paz, em março daquele ano. Já a Dinamarca e a Noruega foram invadidas e ocupadas por tropas da Alemanha em abril, cerca de seis meses após o início da Segunda Guerra Mundial. A Suécia desejava manter-se o mais longe possível do conflito, sabendo que a assinatura de acordos não era garantia de nada.

Sendo assim, buscando sua condição de país neutro, o governo de Estocolmo resolveu investir pesado na indústria bélica local, antevendo um alastramento do conflito mundial para dentro do seu território. A Força Aérea Sueca e a empresa de construção de aeronaves Saab resolveram trabalhar, conjuntamente, num plano secreto para criar uma fábrica de aeronaves subterrânea.

Imagens da Saab mostrando a construção da fábrica subterrânea na década de 1940. 

Segundo o pensamento reinante na época, uma fábrica subterrânea situada a 30 metros da superfície, escavada em rocha dura como o granito, seria imune a ataques aéreos. Até mesmo um sistema de ventilação com filtragem de ar resistiria a um ataque químico.
O local escolhido foi o próprio subsolo da fábrica da Saab em Linköping. Os trabalhos começaram efetivamente em 1943, sendo a Saab responsável pela construção. Já a administração da Força Aérea Sueca era encarregada de pagar pelos custos da obra. Ao final, as instalações ficaram como propriedade do Estado Sueco.

Quando a obra foi concluída, anos depois, uma área subterrânea com mais de 20 mil metros quadrados estava disponível para a produção de aeronaves. Aproximadamente 146 mil metros cúbicos de rocha deram lugar a unidades de montagem de componentes, montagem final, escritórios, refeitórios, almoxarifados e outras instalações. Turnos de até mil homens poderiam se revezar ali.

A fábrica subterrânea foi concluída em dezembro de 1945, alguns meses depois do término da Segunda Guerra Mundial. Mas Guerra Fria emergiu do pós-guerra e as instalações foram utilizadas como nunca, produzindo os caças suecos. Alguns modelos, como o Saab Lansen, precisavam ter as suas asas instaladas na área externa porque a aeronave montada não passava pelas portas de acesso.

Escada rolante de acesso à fábrica subterrânea.
Um dos escritórios da fábrica subterrânea.

Em 1968 o controle das instalações foi passado para a Saab e, com o desmantelamento da outrora poderosa União Soviética, na década de 1990, as instalações subterrâneas perderam importância.

No ano de 2010 o editor-chefe do Poder Aéreo, Alexandre Galante, teve a oportunidade de participar de um jantar no antigo refeitório da fábrica subterrânea da Saab (fotos não foram autorizadas). Infelizmente nesta nova visita de 2019 os jornalistas não tiveram acesso às instalações subterrâneas, mas só de ter a oportunidade de conhecer a parte em superfície “in locu” já foi muito gratificante. Em nova matéria detalharemos o processo de construção do Gripen.

Na imagem à esquerda o saguão da fábrica subterrânea com um aquário ao centro. Na imagem acima o mesmo saguão nos dias atuais (sem o aquário).  Na parede do fundo um “relógio” que mostrava a temperatura na superfície e a condição climática.

Olhando para trás, tenho pena de Matti Olsson, gerente de produção da Saab e nosso guia dentro da oficia de montagem final. O motivo é o volume de perguntas que fiz sobre produção de caças. De forma muito serena, Olsson me respondeu uma a uma. E no que diz respeito às instalações subterrâneas Olsson falou que elas continuam em atividade e estavam bem ali “debaixo dos nossos pés”. Porém, atualmente essas instalações funcionam apenas com centro de estocagem de peças. Respondi que não havia encontrado nenhum suposto acesso ao subsolo até aquele momento e a resposta evasiva foi: “Elas existem… se você souber para onde olhar!”

Matti Olsson, gerente de produção da Saab, explicando o processo de fabricação do Gripen. Todo este trabalho poderia ser feito nas instalações subterrâneas. Ao fundo, no canto superior direito da foto, vemos um funcionário trabalhando na montagem final de uma das asas do Gripen E 6003 que seguirá para a Força Aérea Sueca.

Olsson foi claro em afirmar que, em caso de necessidade, basta apenas uma ordem para que toda a fabricação do Gripen seja transferida para a área subterrânea: “Nós temos a capacidade de construir caças completos no subsolo. A área está lá. Basta mover o maquinário. Temos a oficina de solda, a oficina de elétrica, a oficina de estruturas, a oficina de montagem final. Tudo que é necessário para produzi-lo.”

Após a interessante conversa com Olsson (lembrando mais uma vez que falaremos mais sobre produção de caças em outra matéria) passei a olhar com mais atenção ao redor de mim. Percorrendo as instalações da Saab em Linköping durante a tarde do dia 11 de setembro, tanto a pé quanto de ônibus, encontrei dois possíveis acessos à fábrica subterrânea. Não é preciso ter PhD na KGB para procurar essas entradas usando o programa Google Earth. Será que algum dos nossos leitores encontrará?

O editor Guilherme Poggio viajou à Suécia a convite da Saab

No vídeo abaixo uma matéria da TV sueca sobre a fábrica subterrânea da Saab.

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JT8D

Nada como uma ameaça iminente para unir e motivar uma nação. Parabéns à Suecia, que esteve ameaçada de perto pelo nazismo e pelo comunismo e permaneceu soberana e democratica. Um exemplo a ser seguido

Willber Rodrigues

Nação séria é outro nível.
Parabens ao PA e Poggio pelas reportagens. Estou ansioso pela próxima matéria.

francisco Farias

O Brasil já era para ter várias bases subterrâneas escondidas na selva da Amazônia. Quartel na superfície é visto/espionado por todo o mundo via satélite.

ALEXANDRE

E quem te garante que ja não temos?

Marcelo

O IEA no dcta fica a 30 metros da superfície. Um complexo de seis pavimento em formato de exagono e abriga um super computador e mais algumas coisas. .

Pablo

Já teve ano que os recrutas foram dispensados no meio do ano por falta de verba, volta e meia os quarteis fazem meio expediente para economizar recursos, ano passado a marinha quase parou por falta de verba, o mesmo com FAB reduzindo as horas de voo, nunca teve muito dinheiro, nunca os políticos se preocuparam com isso. Acha mesmo que vão gastar o que não tem para fazer essas obras sendo que a necessidade por aqui é muito menor que na Suécia? não sei se já temos, mas caso contrário, se for pra gastar com isso então prefiro que termine… Read more »

Leandro Costa

E pensar que Niterói levou anos para fazer um mísero mergulhão pequenininho, superfaturado, que quando finalmente abriu ao público demonstrou ser de superfície completamente irregular, e alagou na primeira chuva forte…

Tomcat
Farroupilha

Em São Paulo temos uma usina elétrica (desativada) dentro da Serra do Mar. E há na cidade túneis enormes, e que não são do metrô. A entrada de um deles fica num tipo de rotatória perto da USP. Só quem conhece para saber que ali tem uma tampa ajardinada (abertura) pela qual pode entrar um caminhão lá para baixo. E, sim, temos coisas estranhas e secretas no Brasil tbm. Pequenos tremores de terra, que anos atrás ocorreram no país, sem justificativas, apontam para várias possiblidades. Mas também existem coisas conhecidas mas não bem divulgadas que são preocupantes e atuais… Caso… Read more »

Rommelqe

Caro Farroupilha, na realidade, so complementando, aqui no Brasil temos varias usinas hidreletricas em caverna, entre as quais, a que vc citou, esta a Henri Borden ou Cubatao (que fica aqui em SP) e que se encontra operacional (so nao opera plenamente por questoes ambientais), Capivari Cachoeira (tambem na serra do mar) no Paraná, Serra da Mesa em Goias, Paulo Afonso IV na Bahia, tres no rio das Antas, RioGrande do Sul, entre outras….

Leandro Costa

Não conheço a maioria dessas, mas Serra da Mesa foi um trabalho realmente fantástico.

Farroupilha

Serra da Mesa espetacular e pouquíssimo noticiado…
https://www.youtube.com/watch?v=5EDhspiKAIc

Moriah

Verdade, tem uma amiga que perdeu o apto, teve que mudar em Maceió.

Maynard Conde

Putin sagaz e perigoso….parece apoiar a Arábia Saudita enquanto apoiou o ataque iraniano à refinaria, e quer vender S400 à A. Saudita.

Uma nação que vive da desgraça de outras não subsistirá….

Fernando "Nunão" De Martini

Pois é! Se a refinaria da Arábia Saudita também fosse subterrânea, tal qual a fábrica construída pela Saab, o Putin ficaria chupando o dedo.

PS: acho que você errou de matéria, né?

aldo

Serra do Cachimbo no Pará, tinha uma coisa parecida com uma base ….isso no tempo dos milicos. Agora a selva tomou conta.

Rinaldo Nery

Mentira. Vc nunca foi lá. Eu já. Lenda urbana.

RENAN

Tem um comentário retido

Cristiano

Na URSS havia varias linhas de produção de peças e montagem de um mesmo caça, esse é um dos motivos para a dificuldade da Rússia atual no suprimento de peças .

paulo

se o autor tivesse um vizinho entupido de ogivas nucleares, também teria essa “obsessão”.

Rinaldo Nery

Em 2008 visitei uma Base aérea 30m abaixo do solo, dentro de uma montanha, em Gothenbürg. Hoje é um museu. Construída em 1954.