Os destroços do DC-3 abatido estão expostos no Museu da Força Aérea Sueca - Foto: Alexandre Galante
Os destroços do DC-3 abatido estão expostos no Museu da Força Aérea Sueca – Foto: Alexandre Galante

Por Alexandre Galante

Em 13 de junho de 1952, um C-47 (versão militar do famoso DC-3) da Força Aérea Sueca, desapareceu enquanto realizava uma missão secreta sobre o Mar Báltico. Depois de um sinal em código enviado pela aeronave às 11h25 daquele dia, não se ouviu mais falar, por décadas, nem do avião nem de seus 8 tripulantes.

O desaparecimento da aeronave ficou conhecido como “DC-3 Affair” e ainda é um capítulo sensível da história da Suécia na Guerra Fria.

Apesar das pesquisas em arquivos de várias nações, alguns fatos do “DC-3 Affair” são ainda secretos e desconhecidos. E o paradeiro dos oito tripulantes (Alvar Almeberg – piloto e comandante; Gosta Blad – navegador e rádio-comunicador; Herbert Mattsson – técnico, Einar Jonsson – chefe e oficial de inteligência; Bengt Book, Ivar Svensson, Borge Nilsson, e Erik Carlsson – todos oficiais de Sigint) permaneceu em mistério por mais de 50 anos.

Fotos dos tripulantes desaparecidos

Nove horas antes do avião sueco desaparecer sobre o Báltico, caças soviéticos abateram também um RB-29 americano sobre o Mar do Japão. Autoridades americanas negaram que o RB-29 tenha penetrado em território soviético, como foi alegado pelos russos, dizendo que a aeronave estava sobre águas internacionais.

Embora os americanos não tenham encontrado sobreviventes do seu avião, na década de 1990 investigações realizadas na antiga União Soviética revelaram que sobreviventes foram vistos na região de Magadan e em campos de prisioneiros em Inta.

Três dias após o desaparecimento do DC-3, quatro caças MiG-15 derrubaram um Catalina sueco (foto abaixo) que estava fazendo buscas por sobreviventes.

Tanto o DC-3 sueco como o RB-29 americano estavam realizando o mesmo tipo de missão – coleta de sinais da União Soviética para inteligência. Os aviões foram equipados para inteligência e seus alvos incluiam as estações de radar soviéticas. Os soviéticos admitiram a derrubada do RB-29, mas fizeram completo silêncio sobre o DC-3.

A missão, que era parte da troca de informações com o Reino Unido e os EUA, era de grande interesse também para o governo sueco, que via a União Soviética como único possível inimigo no futuro.

O DC-3 estava operando pela Försvarets radioanstalt (FRA), Fundação de Rádio para a Defesa Nacional da Suécia. A FRA, autoridade em inteligência de sinais, tinha ganhado boa reputação na Segunda Guerra Mundial pela alta qualidade dos dados coletados durante o conflito.

O problema era que a Suécia tinha um discurso oficial de não-alinhamento e ao mesmo tempo uma cooperação secreta com EUA e Reino Unido, levando o governo sueco a ocultar as atividades de inteligência da opinião pública.

Quando o DC-3 desapareceu, a versão para o público foi de que o avião simplesmente tinha “desaparecido”. A versão secreta entretanto reconhecia que o avião tinha sido abatido pelos soviéticos. Um bote de borracha com estilhaços de munição encontrado nas águas era uma forte evidência.

Embora de acordo com as leis internacionais operações de inteligência fora de fronteiras territoriais não sejam ilegais, elas são atividades sensíveis geralmente consideradas secretas e colocadas fora do escrutínio da opinião pública.

A derrubada do Catalina ajudou o governo a desviar a atenção, mantendo a imagem da Suécia de nação neutra.

Depois de décadas de silêncio, uma parte da verdade

Nos anos seguintes os familiares dos aviadores suecos tentaram por todos os meios saber o paradeiro da tripulação do DC-3, sem sucesso.

Alguns dentro do governo diziam que os sobreviventes podiam estar em algum Gulag, mas a Suécia nunca conseguiu fazer a URSS revelar o que realmente havia acontecido com seus homens.

O primeiro reconhecimento público do governo sueco sobre a missão secreta do DC-3 só veio em 1983, quando o filho do piloto publicou um livro sobre o acontecimento.

Os russos só revelaram que derrubaram o avião em 1992.

Em 13 de junho de 2002, o governo sueco se desculpou pela primeira vez com as famílias dos aviadores pela forma como conduziu a questão do DC-3.

Em junho de 2003, 51 anos depois do desaparecimento, uma companhia privada de mergulho, após três anos de buscas, conseguiu encontrar os destroços do DC-3, a 126m de profundidade.

Em 2004, o governo sueco criou uma comissão técnica para o resgate e recuperação dos restos do avião e a pesquisa dos vestígios que pudessem revelar o destino dos tripulantes.

Em março de 2004, o DC-3 foi içado do fundo com sucesso e levado para uma base de submarinos desativada da época da Guerra Fria. Foi feito um trabalho cuidadoso para a recuperação dos restos, com a participação de técnicos, investigadores e peritos forenses.

Em 13 de junho de 2004, os oito homens receberam postumamente medalhas de mais alto valor pelo serviço em prol da Suécia.

De 2004 até 2005, os restos de quatro corpos encontrados no avião foram reconhecidos, com exames de DNA: Alvar Almeberg, Gosta Blad, Herbert Matsson e Einar Jonsson. Cinco paraquedas e coletes salva-vidas foram encontrados a bordo, o que corrobora a versão russa de que quatro membros da tripulação não sobreviveram.

Até hoje não se sabe o destino de Bengt Book, Ivar Svensson, Borge Nilsson e Erik Carlsson, além de muitos outros detalhes do DC-3 que ainda permanecem secretos.

Os restos do avião encontram-se no Museu da Força Aérea Sueca.

Os destroços do DC-3 abatido estão expostos no Museu da Força Aérea Sueca - Foto: Alexandre Galante
Outro ângulo dos destroços do DC-3 no Museu da Força Aérea Sueca – Foto: Alexandre Galante

*É jornalista especializado em assuntos militares e editor-chefe da revista e trilogia de sites Forças de Defesa. No final dos anos 80, foi tripulante da fragata Niterói (F40) da Marinha do Brasil, integrando a equipe de apoio ao helicóptero Lynx embarcado. Nos anos 90, colaborou como articulista com as revistas Segurança & Defesa e Tecnologia & Defesa. No jornal O Globo, trabalhou na redação, de 1996 a 2008.

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Rui Chapéu

Só um pequeno detalhe ali na matéria

“A URSS só revelou que derrubou o avião em 1992.”

A URSS acabou em 26/12/1991, então se revelaram que isso aconteceu foi depois da dissolução da mesma e foi outro país.

ScudB

Mestre!
Faltou tb o nome de quem abateu (Cpt. Grigoriy Osinskiy) e quem deu a ordem (comandante da defesa AA da regia Báltica sub-coronel Fedor Shinkarenko).Alem disso faltou a descrição dos atos inicias do incidente pois o DC-3 e Spitfares ja faziam rotineiramente um traçado perto do território
da URSS que no final das coisas resultou na decisão de dar um susto “terminal”. O lugar do abate do DC-3 foi registrado. https://imgprx.livejournal.net/7aa30787eee963ef5f95fc8574b210fc842fb70f/h_94St_JK4vWvKQ8PNHZhcUSUpk3yAc2L7tkvLVnegqFBaKe_jw3naQ6104a3Xn0QW6YQnBHqiy69EGuxpQOBvhEGxFVqkukPqhvdAH2NpE
Um grande abraço!

Neves João

Detalhe insignificante, mas tudo bem.

Wagner

Esse teu comentario demonstra apenas ignorância.

Maurício.

DC-3, um belo avião, tenho uma foto de um ex-varig num portões abertos na BACO em 2003.
Na minha opinião o desaparecimento de um familiar é pior que a confirmação da morte, admiro todos os aviões de todos os países, mas a guerra sempre é de uma estupidez sem tamanho, infelizmente.

EBS75

Nasci em 1975 portanto vivenciei um bom período de vida durante a Guerra Fria. Mas o que chama a atenção é como os soviéticos eram mais atrevidos/corajosos… Não me lembro de nenhum episodio (não que isso talvez nunca tenha acontecido), mas não me recordo de nenhum episodio onde alguma nação ocidental tenha derrubado algum caça soviético. A impressão que dá é que o “medo” por parte dos ocidentais era maior do que o “medo” que os soviéticos tinham.

Maurício.

EBS75, eu acho que o “medo” que você se refere reflete muito mais no fato de que alguns países do ocidente são democráticos, o que é sempre muito mais difícil de se justificar do que uma ditadura, onde eles fazem e não precisam dar explicações para ninguém, acho que é isso.

Pedro

Diferentemente da OTAN, a URSS não fazia missões nem muito próximas ou dentro de qualquer espaço aéreo de na coes que considerava hostil. Sem falar que tais voos de reconhecimento ela fazia dentro de seu território ou no de seus aliados. Mesmo a URSS, passado os anos 50 e depois do abate do U-2, diminui muito o abate de aviões de reconhecimento, e qdo o fez era pelo fato destes estarem dentro de seu territorio.

Rene Reis

Eu ja penso o cotrario , ousados eram os ocidentais que inclusive entravam com aeronaves no territorio sovietico para bisbilhotar.

Carlos Gallani

No ocidente, na maior parte da OTAN, as pessoas viviam muito bem e obrigado, consequentemente uma guerra em larga escala não era algo remotamente desejável!

Jota Ká

A URSS era uma fera acuada pelos EUS e seus aliados, no ocidente e no oriente.
Fera acuada é um perigo!

Nilton L Junior

Sem dúvida uma missão de alto risco.

Victor Filipe

Não digo nada sobre abates de aviões de guerra eletrônica e vigilância. são obviamente armas. então é valido.

Porem derrubar um Catalina de busca e salvamento é sacanagem…

ScudB

Amigo Victor! Emocionalmente sim , tecnicamente – não.. Pois DC-3 foi abatido covardemente a 100 km da fronteira da URSS na região de Ventspils , da Letônia (inclusive um país muito bonito , muitos pratos com peixe defumada , sopa doce de abobrinha (esquisita mas gostosa!!!), castelos , pistas de rally e buggi, etc. Quero voltar um dia.. OK.Voltando. Ja o Catalina foi abatido dentro da fronteira soviética perto da ilha estoniana Hiiumaa (sem 99% da gente das FA saber de que se trata). Bem que a tripulação foi salva pela embarcação alemã que tava por perto. Ou seja ,… Read more »

Victor Filipe

Com certeza o Catalina não sabia muito bem onde estava, era um avião mais “cru” e a tripulação devia ta totalmente focada na Busca

Gabriel BR

Ainda vai levar algumas décadas para sabermos os detalhes desta história…

Clésio Luiz

Impressiona o estado das partes metálicas após 50 anos submergidas no mar. Tratamento das chapas ou as condições do local que permitiram isso?

paddy mayne

Parabéns, brilhante matéria.

Rene Dos Reis

Na guerra fria tivemos diversos fatos históricos , este eu desconhecia ,muito obrigado pela matéria . Olhando a hélice ja da pra ter uma ideia da violência do contato com o mar.

Luiz Trindade

Fato que na Guerra Fria todo mundo queria estar um passo à frente na tola e pseudo esperança que pudesse derrotar o inimigo antes dele dar a contrapartida de bombardeios nucleares.

Walfrido Strobel

Este abate foi bom para que ficasse bem claro que a URSS não acreditava na falsa neutralidade sueca.

Mayuan

Me causa espanto a facilidade com que a massa fecal existente dentro de seu crânio encontra para se exprimir por seus dedos ao soltar esta frase lamentável.

JOSE CARLOS MESSIAS

As guerras costumam deixar muitos fatos sem respostas onde militares em missão por seus países simplesmente ‘desaparecem’, ficando suas famílias por anos sem uma satisfação plausível. A esses destemidos homens, pelo contexto em que se dedicam as missões, resta o nosso respeito!