Adiado repetidamente desde o governo Fernando Henrique Cardoso, o projeto FX 2, de compra de novos aviões de caça para a FAB, passa por nova fase de disputa entre as empresas finalistas. A transferência de tecnologia é o nó

Thais de Luna

O processo de modernização da Força Aérea Brasileira (FAB), o conhecido Projeto FX 2, consiste em mais do que simplesmente comprar aeronaves que reforcem o sistema de defesa aérea do país. Após três anos no limbo, ao retomar — em 2006 — o processo de compra, o então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, determinou: as únicas empresas aceitas na disputa seriam as que transferissem, integralmente, a tecnologia de fabricação de seus aviões para o Brasil. Isso significa ter acesso aos métodos e materiais de produção, aos códigos-fonte que programam os aparelhos, ao conhecimento integral para executar todos os passos que permitam elaborar um caça do tipo no país.

Diversas empresas aceitaram essa condição — embora algumas com ressalvas — e entraram no páreo. E as três finalistas, a sueca Saab, a norte-americana Boeing e o consórcio francês Rafale International, não veem a hora de o mistério de “quem será a vencedora” acabar. Estima-se que a presidente Dilma Rousseff encerre essa longa novela até maio, novo prazo previsto para o anúncio da empresa que vai vender 36 caças para o Brasil.

O prazo parece ser respaldado pelo ministro da Defesa, Celso Amorim, ao sinalizar que a escolha deve ser divulgada até o início do próximo semestre. Com a proximidade cada vez maior da decisão de quem vai vender as aeronaves de combate para o país, as três companhias que estão no páreo decidiram intensificar suas manifestações de interesse no Projeto FX 2, com visitas a Amorim e a reafirmação do compromisso de repassar tecnologia ao Brasil.

Entre essas três corporações, a que vem agindo de maneira mais incisiva atualmente é a Saab, que concorre no FX 2 com o caça Gripen NG. Na semana passada, o presidente da empresa, Håkan Buskhe, acompanhou o presidente do Parlamento sueco, Per Westerberg, em visita ao Brasil.

Buskhe aproveitou a oportunidade para conversar com o Correio sobre como a parceria com a FAB poderia beneficiar o país sul-americano. “Nós oferecemos transferência de tecnologia completa, pois não acreditamos em apenas enviar caixas fechadas para nossos parceiros comerciais. Nosso projeto consiste em fazer com que o Brasil seja responsável por 40% do desenvolvimento das aeronaves, por 80% da fabricação das estruturas e que a integração, inclusive de dados, seja completa”, descreveu (veja entrevista abaixo).

Por isso, sustenta, a parceria com a FAB e a Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer) será um sucesso. “Vamos enviar os códigos-fonte dos sistemas dos aviões e trabalhar juntos. Desse modo, Brasil e Suécia vão, inclusive, dividir a propriedade intelectual sobre os caças”, assinalou Buskhe. Para ele, o grande diferencial da Saab para a Boeing e o consórcio Rafale International é o fato de que o grupo sueco “não está vendendo apenas um produto, mas um projeto a longo prazo”. Para iniciar esse processo, a companhia inclusive desenvolveu uma parceria com o Centro de Pesquisa e Inovação Sueco-Brasileiro (CISB), com o objetivo de apoiar a inscrição de trabalhos de cientistas brasileiros nas áreas de segurança e defesa a fim de obterem bolsa de estudos do programa Ciência sem Fronteiras, do governo federal.

Franceses

O Rafale International, que pretende vender para o Brasil os caças Rafale F3 — fabricados pela Dassault — tem adotado estratégia semelhante à da equipe sueca para conquistar o apoio de pesquisadores do Brasil. “A parceria inclui transferência tecnológica irrestrita, que tem o aval do presidente francês Nicolas Sarkozy. Isso será possível devido ao fato da França ser, ao lado dos Estados Unidos, um dos dois países no mundo ocidental que domina de forma autônoma todas as tecnologias avançadas necessárias para desenvolver sozinho uma aeronave de combate”, informou o grupo, em comunicado.

O consórcio, que pretende treinar e aperfeiçoar os profissionais da indústria para que recebam a tecnologia oferecida, fez como a Saab e iniciou trabalhos conjuntos com universidades, como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), para a elaboração de projetos de pesquisa e desenvolvimento nos setores de educação e ciências espaciais.

Norte-americanos

Por sua vez, a Boeing, concorrente com a aeronave F/A-18E/F Super Hornet, ressaltou que a parceria EUA-Brasil no setor militar também beneficiará as áreas de energias alternativas e biocombustíveis. “O FX 2 não é apenas uma competição sobre a venda de um avião. Trata-se de uma parceria de longo prazo que durará décadas e com a qual a indústria brasileira vai ampliar sua posição no mercado global”, determinou o vice-presidente de Desenvolvimento de Negócios Internacionais para a Europa, Israel e as Américas da empresa, Joe McAndrew, ao Correio.

Quanto à suspensão norte-americana da compra de um lote de 20 Super Tucanos da Embraer, o embaixador dos EUA, Thomas Shannon, negou que a medida esteja ligada ao FX 2. “A decisão foi tomada em função de problemas internos da Força Aérea dos Estados Unidos”, explicou ao jornal O Estado de S. Paulo. É o único caso em que há relutância para maior transferência de tecnologia.

O plano de reequipamento da FAB foi desenvolvido sob o nome de Programa FX durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. As empresas que concorreriam no processo inclusive já haviam sido selecionadas quando o sucessor na presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, adiou a seleção com a justificativa de que precisava fazer ajustes no orçamento e focar em outras questões consideradas mais importantes, como os projetos sociais.

O processo foi retomado em 2006, com o nome de FX 2, e sofreu uma série de alterações, incluindo a exigência do direito de produzir os caças, sob licença, no Brasil e exportá-los na América do Sul. Os gastos estimados subiram de US$ 700 milhões para cerca de US$3 bilhões. Em 2009, Lula chegou a anunciar sua preferência pelas aeronaves francesas Rafale, mas, no fim das contas, deixou a decisão final nas mãos de Dilma Rousseff. Cabe a ela, agora, dar fim a essa história.

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Três perguntas para Håkan Buskhe, presidente da Saab

Para a Saab, qual é a importância de ter o Brasil como parceiro comercial?

O Brasil tem sido um mercado importante para a Suécia há cerca de 100 anos. Cerca de um dos maiores centros industriais suecos é em São Paulo. Temos uma tradição de trabalhar em parceria com brasileiros. A Suécia tem uma população de 9,6 milhões de pessoas e, para que nossas indústrias se desenvolvam ainda mais com mão de obra qualificada, precisamos recorrer à colaboração com outros países. Não conseguimos manter nossas companhias internacionais apenas na Suécia, precisamos crescer. E as relações com o Brasil, que é um país já inserido no mercado global, beneficiam esse desenvolvimento para nós e para a indústria brasileira.

Como é possível usar a tecnologia militar no desenvolvimento de tecnologia civil, inclusive na área de aviação comercial?

Nós não fazemos apenas aeronaves militares, mas também sistemas relacionados, como aeroportos e administração de tráfego aéreo. Isso é uma base tecnológica que pode ser usada na aviação comercial, por exemplo. Nossos aviões são feitos de materiais leves, que consequentemente reduzem o consumo de combustível. Isso é outro fator que, futuramente, a Embraer pode utilizar em suas aeronaves civis. Há outras características, no entanto, que realmente levantam esse questionamento da possibilidade de usar a tecnologia militar no setor civil.

Um exemplo de que isso pode ser aplicado no dia a dia das pessoas é o airbag (dispositivo de proteção) presente nos carros. Ele começou a ser usado nos aviões após notarmos que quando o piloto precisava ejetar seu assento, caso a aeronave apresentasse problemas, ele acabava se ferindo com os cacos do vidro da parte da frente da cabine.

Qual é o interesse da Saab em desenvolver parcerias com as universidades brasileiras, ajudando no programa Ciência sem Fronteiras?

No Centro de Pesquisa e Inovação Sueco-Brasileiro (CISB), queremos juntar empresas e universidades para trabalharem juntas no desenvolvimento de tecnologia. Garantimos o financiamento de bolsas de estudo. Queremos encorajar o trabalho coletivo, para que as nações se integrem. Na Suécia, temos cerca de 10 mil mestres e pós-doutorados na área científica.

Por isso, acreditamos que promover a troca de conhecimento, ao oferecer 100 bolsas de estudos para universitários brasileiros com bons projetos no setor de indústria, de tecnologia e de energia, será positivo para os dois países. A ideia é que esses estudos sejam viabilizados pelas companhias, agregando o conhecimento dos estudantes com a estrutura das empresas.

FONTE: Correio Braziliense, via Notimp

FOTOS: Saab, Dassault, Força Aérea Francesa e Marinha dos EUA (incluindo imagens usadas na fotomontagem)

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