No meio da aviação militar, o caça russo Sukhoi tem uma fama invejável. Máquina de guerra poderosa e versátil, é chamado de a “Ferrari dos aviões”. Mesmo essa boa reputação, contudo, não é garantia de sucesso para o novo empreendimento da empresa russa que fabrica o caça.

A Sukhoi agora quer brilhar no setor de aviação civil, mais especificamente na faixa dos aviões médios, para até 120 passageiros — aquela liderada pela brasileira Embraer e pela canadense Bombardier. Essa é a missão do Superjet 100, o primeiro avião comercial concebido e fabricado na Rússia após o fim da União Soviética.

Anunciado orgulhosamente como um projeto moderno, o novo produto da Sukhoi deve ter diante de si uma longa trajetória até conquistar o mercado, especialmente o do mundo ocidental, assim como já ocorreu com a Bombardier e a Embraer.

“A indústria da aviação é um dos setores mais sensíveis à confiança do consumidor em relação a uma marca”, diz Rohit Deshpandé, professor de marketing da Universidade Harvard. “Se tudo correr bem, a imagem de um produto ou serviço nesse setor se firma positivamente apenas após anos de trabalho e de muito investimento em divulgação de imagem.”

Apresentado na Paris Air Show de 2009, o Superjet 100 teve as primeiras entregas no início de 2011. O primeiro voo com passageiros ocorreu em abril, pela companhia aérea armênia Armavia. De acordo com a Sukhoi, o modelo já recebeu 170 encomendas, a maioria da própria Rússia ou de ex-repúblicas soviéticas.

Uma companhia de leasing americana, a Willis, foi a primeira no Ocidente a formalizar um contrato
, mas ainda não especificou em que países os aviões vão operar. A estatal russa Aeroflot é uma das principais clientes, com 40 encomendas e opção de mais 15. A Sukhoi estima que irá produzir 800 Superjets 100 nos próximos 20 anos, o equivalente a 11% da demanda projetada para o mundo.

“Fomos uma das empresas líderes durante a Guerra Fria, quando a indústria aeroespacial era dominada por aviões militares. Agora que a aviação comercial representa 80% do mercado, precisamos nos voltar para esse segmento”, disse a EXAME Mikhail Pogosyan, presidente da United Aircraft Corporation, estatal que reúne as principais fabricantes de aviões da Rússia, e presidente do conselho de administração da Sukhoi.

Além de ser novata em um setor em que tradição é fundamental, a Sukhoi tem outra desvantagem: sua nacionalidade. Os aviões fabricados nas ex-repúblicas soviéticas são donos de algumas das piores estatísticas da história da aviação civil.

De acordo com a consultoria Ascend, sediada em Londres, as quatro marcas de aviões comerciais com taxas de acidentes fatais mais elevadas são, pela ordem, a ucraniana Antonov e as russas Ilyushin, Tupolev e Yakovlev. Os registros mostram que, a cada milhão de decolagens, 5,5 voos da fabricante Ilyushin terminaram em acidentes fatais.

Em comparação, a taxa de acidentes da europeia Airbus é de 0,3, e a da americana Boeing, 0,4 por milhão de decolagens. Apesar de compor apenas 3% da frota mundial de aviões em serviço, 42% dos incidentes que provocaram grandes danos ou perda total de aeronaves nos últimos dois anos ocorreram com aviões fabricados na ex-União Soviética.

“A maioria desses aviões­ voa em países que não seguem os padrões mais rigorosos de segurança (como Cuba, Coreia do Norte e alguns africanos), e os acidentes têm mais a ver com a forma como os aviões são conservados e operados”, diz William Voss, presidente da ONG Flight Safety Foundation. “Mas, inegavelmente, os números contribuem para a imagem negativa da indústria russa de aviação.”

De acordo com especialistas, o Superjet 100 é, de fato, uma aeronave robusta e moderna e não deve ter dificuldades na próxima prova de fogo no jogo de sedução dos clientes ocidentais: a obtenção de certificados de segurança europeu e americano. Um dos principais atrativos do avião russo é o preço: 32 milhões de dólares, cerca de 30% mais barato que os similares da Embraer e da Bombardier. Mas a Sukhoi também terá de comprovar sua capacidade de prover assistência aos clientes no mundo todo. “É fundamental que o avião passe mais tempo voando do que em solo, com problemas”, diz o consultor George Dimitroff, da Ascend. “Por isso, o suporte técnico deve ser eficiente, algo em que os russos também não têm bom histórico.”

Projeto global

Parte da estratégia da Sukhoi para conquistar a confiança da indústria é afirmar, exaustivamente, que o Superjet 100 não é um avião soviético, nem sequer russo, mas um projeto global. Desde o início de sua concepção, em 2003, a Sukhoi estabeleceu parcerias com empresas ocidentais. Os componentes do Superjet 100 são fornecidos por 30 fabricantes internacionais.

A italiana Alenia Aeronautica tem 25% de participação no braço civil da Sukhoi e é responsável por parte do marketing na Europa, na América do Sul, no Japão e na Austrália. O conjunto de computadores da cabine de comando foi fornecido pela francesa Thales. Para desenvolver as turbinas, a fabricante russa NPO Saturn se associou à francesa Snecma.

A Boeing prestou consultoria em pós-venda. “Esse projeto representa uma transformação na indústria de aviação russa, que até então se baseava em recursos totalmente nacionais.”, diz Pogosyan, da Sukhoi.

Nessa estratégia, a Sukhoi segue os passos da Embraer. Antes de conquistar o primeiro cliente nos Estados Unidos, em 1978, boa parte do esforço da fabricante brasileira consistiu em provar que seus aviões contavam com o que havia de mais avançado em tecnologia e segurança.

“Foram três anos em que o foco estava voltado para o objetivo de entrar no mercado americano. Naquele momento, era necessário mostrar que nossos aviões tinham o motor mais confiá­vel, e os sistemas elétrico e hidráulico dos melhores fornecedores mundiais”, diz Ozires Silva, um dos fundadores da Embraer e ex-presidente que coordenou a privatização da empresa, de 1991 a 1994.

As vendas dos primeiros três Bandeirante representaram um marco. Ao final, foram vendidos 499 desses modelos globalmente — apesar do estigma de avião perigoso que acompanhou o Bandeirante durante anos.

A Sukhoi tem, sobre a Embraer dos anos 70, as vantagens da experiência e da herança tecnológica. É reconhecida por ter produzido alguns dos melhores aviões de guerra do mundo.

FONTE: Portal Exame

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Clésio Luiz

Num tinha umas aeromoças mais bunitinhas não? Aquela do meio então…

Corsario137

Tentando deixar minha “embraerfilia” de lado, não coloco fé nesse programa da Sukhoi. Os motivos são vários mas o principal é a credibilidade. A Sukhoi e os russos não tem boa fama no mercado e o pós-venda deles é horrível. E não é por maldade, é cultural. Ainda é recente a ideia da existência de um cliente, no sentido mais amplo possível da palavra. Na aviação comercial as margens são baixas, os planejamentos de longo prazo e a troca de fornecedores é engessada. Nesse contexto, mais vale pagar uns milhõezinhos a mais e ter a segurança de uma Embraer ou… Read more »

Mauricio R.

Ah, enfim concorrência!!!

Vader

Também não boto muita fé nesse projeto russo.

Nautilus

O que eu quero saber é o seguinte: o SuperJet 100 vai ter o famoso ventilador preto em cima do painel, no cockpit? Aeronave russa que se preze tem que ter o tal ventilador!

Mauricio R.

Ao contrário de projetos anteriores, neste os russos agregaram mto conteúdo estrangeiro.
Mas se antigas práticas de MRO não forem alteradas, esses esforços podem ser em vão.

Marcelo

Nautilus, bem lembrado! Talvez para as unidades vendidas na Rússia, afinal os pilotos vão exigir !!! =:^)

Observador

Pode se medir as chances de sucesso deste avião respondendo a uma pergunta singela:

VOCÊ viajaria em um avião russo?

Pois é.

Se você não viajaria, por que diabos uma companhia aérea se arriscaria a comprá-lo?

Só vejo mesmo mercado para eles no Leste Europeu, Ásia e pouca coisa na África, lugares onde voam Antonovs, Tupolevs e Yakovlevs.

Muito mais preocupação eu tenho com os fabricantes chineses. Com a força política da China ao lado deles, eles vão roer o mercado de todos os fabricantes tradicionais, incluindo a Embraer.

O tempo dirá.