linha do montagem do F-35 - foto LM

linha do montagem do F-35 - foto LM

Antes do projeto da Lockheed Martin ser escolhido, o Pentágono foi alertado sobre tecnologias que apresentavam riscos para o prosseguimento do programa.

Recomendação para adiamento da fase seguinte foi ignorada e as consequências afetam o programa até hoje.

linha do montagem do F-35 - foto LM
linha do montagem do F-35 – foto LM

por Guilherme Poggio

Na década de 1970 a NASA, agência espacial dos Estados Unidos, desenvolveu um método para estimar a maturidade de uma determinada tecnologia. Desde então este método foi aperfeiçoado e acabou sendo adotado por outras instituições do governo dos EUA.

O método em questão avalia o nível evolutivo de determinada tecnologia a ser empregada num outro sistema. Inicialmente a tecnologia era classificada em uma das sete categorias denominadas “nível de prontidão tecnológico” (TRL – technology readiness levels). Este posteriormente acabou evoluindo para nove categorias.

O método classifica a tecnologia desde o seu nível mais primitivo (estudos teóricos de conceitos básicos), passando por demonstrações laboratoriais e terminando com a validação da mesma integrada ao produto final. Ou seja, quanto maior for o TRL, mais madura estará a tecnologia (ver detalhes das descrições dos níveis na tabela abaixo – clique para ampliar).

Níveis de TRL e suas descrições

Quando o Programa JSF foi lançado o Pentágono (Departamento de Defesa dos EUA), órgão responsável pelo gerenciamento do programa, ainda não usava esta ferramenta para avaliação de seus projetos. Porém, a Força Aérea dos EUA (USAF), através do Laboratório de Pesquisa da Base Aérea de Wright-Patterson (estado de Ohio), já havia adotado o método da NASA, adaptando-o para sistemas de armas.

Em 1999 o GAO (O (Government Accountability Office), órgão de apoio do Congresso dos EUA (algo semelhante à Controladoria Geral a União aqui no Brasil), avaliou como boas práticas poderiam melhorar a incorporação de novas tecnologias nos programas de desenvolvimento de sistemas de armas. Uma das ferramentas empregadas pelo GAO foi exatamente a classificação TRL conforme modificações feitas pela USAF.

Através dos estudos efetuados pelo GAO foi possível avaliar e comparar alguns programas civis e militares e identificar e justificar sucessos e fracassos. No geral, o GAO concluiu que o emprego de tecnologias pouco desenvolvidas pelo Pentágono aumentava o risco dos programas.

No ano seguinte o GAO desenvolveu trabalho semelhante, porém voltado exclusivamente para o programa JSF. É importante destacar que naquela época o Programa JSF ainda estava na sua fase CPD (Concept Demonstration Program), ou seja, a Lockheed Martin e a Boeing competiam entre si para ver qual dos dois projetos (X-35 e X-32 respectivamente) seria escolhido.

Cabe aqui fazer um parêntese, pois a fase CPD já era uma aberração em relação ao tradicional processo de ciclo de aquisição de sistemas de combate do Pentágono até aquela data (ver figura abaixo). A fase CPD fundia a fase de CE (Concept Exploration) com a fase PDRR (Program Definition and Risk Reduction). Desta maneira os requisitos finais de desempenho, decididos ainda no início do processo, eram deixados para o fim da fase. Segundo os defensores da ideia este movimento permitia uma flexibilidade maior em relação a custos e compromissos de desempenho.

Comparação entre o processo de aquisição de sistemas de defesa tradicional do Pentágono e o processo de aquisição do Programa JSF. FONTE: GAO, 2000

O GAO solicitou então que o escritório do programa JSF identificasse oito áreas onde a tecnologia era crítica para que o programa atingisse objetivos relacionados a custo, cronograma, desempenho e objetivos. Essas áreas eram: gerenciamento de prognósticos, controle integrado de propulsão e voo, subsistemas, sistema de apoio integrado, núcleo do processador integrado, radar, processo de fabricação, integração de sistemas de missão (ver detalhes das descrições dessas tecnologias na tabela abaixo – clique para ampliar)

tecnologias criticas do programa JSF
tecnologias criticas do programa JSF

Das oito áreas críticas, nenhuma delas atingia o nível TRL7, estágio onde haveria risco aceitável para que o projeto entrasse na fase  seguinte, Desenvolvimento de Engenharia e Produção (EMD – Engineering and Manufacturing Development). Seis delas estavam em níveis inferiores a TRL6, nível este considerado necessário para o programa entrar na fase CDP (sendo que o JSF entrou nesta fase em 1996). Somente através dessa análise já era possível dizer que o programa do JSF poderia enfrentar sérios riscos em função da falta de maturidade tecnológica (ver imagem abaixo). Diante desta conclusão o GAO recomendou que o Secretário de Defesa adiasse o início da fase EMD do Programa JSF até que determinadas tecnologias atingissem a maturidade necessária.

A primeira reação do Pentágono frente a este relatório do GAO foi afirmar que o método TRL era equivalente ao método dos “modelos de Willoughby”, este último largamente empregado pelo Pentágono. No entanto, ambos servem a diferentes propósitos e o emprego de um não elimina o do outro. Os “modelos de Willoughby” são ferramentas para gerenciar riscos de programas, e não identificá-los. Já o método TRL se provou eficiente na identificação de riscos. Em outras palavras, eles deveriam ser usados em conjunto e sequencialmente.

Carta do Pentágono respondendo ao GAO sobre o controle dos riscos do programa JSF. A data do documento (em destaque) mostra que o mesmo foi feito antes da escolha do consórcio vencedor.

Anos depois o Pentágono acabou por adotar o método TRL, mas o projeto da Lockheed Martin já havia sido declarado vencedor e o programa JSF estava a todo vapor dentro da fase seguinte, a EMD. Esta fase, que começou assim que o X-35 da Lockheed Martin foi declarado vencedor (23 de outubro de 2001) e deveria durar inicialmente oito anos, passou para dez anos logo em seguida e até o momento (março de 2017) não foi concluída.

Hoje como sabemos o Pentágono não soube gerenciar os riscos de determinadas tecnologias necessárias para o bom andamento do programa. Muitos dos atrasos atuais possuem raízes em decisões equivocadas tomadas no passado e não somente em indesejadas surpresas que inesperadamente surgiram ao longo do desenvolvimento da aeronave.

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Vader

A alternativa seria ter um caça com as mesmas tecnologias dos dos anos 80, mas com uma cobertura stealth e um radar AESA. Como muito provavelmente será o Su-50, por exemplo. . Governos mais ou menos sérios gastam o que podem com tecnologia de defesa. Só assim, com investimento em tecnologia, que se obtém inovação. . Sim, houve erros na condução do Projeto JSF, principalmente o da LM de ficar permitindo ao DoD agregar tecnologias recém-descobertas depois de o projeto estar consolidado. . Mas investir em tecnologias que não estão testadas em combate não é um destes erros. Não havia… Read more »

Bosco

Até onde sabemos a única tecnologia “”imatura” do F-35 é o sistema DAS combinado com o capacete HMDS, que inclusive dispensou um HUD. Todo o resto é “convencional”. Um F-22 possui um sofisticado sistema de alerta de mísseis (MWS) mas não possui nada comparado ao DAS, que funciona como um IRST 360º. Não fazia sentido instalar um IRST no F-22 que era um caça stealth planejado para derrotar caças das gerações anteriores. Utilizar um IRST em detrimento do radar AESA com capacidade LPI seria dar chance ao azar já que o F-22 abriria mão de sua maior vantagem que é… Read more »

Bosco

Mas eu respeitosamente divirjo em relação ao que seja tecnologia “crítica” e tecnologia “imatura”.
Considero quase tudo num caça como sendo “crítico”, mas imaturos, somente os sistemas que citei.

Bosco

Tudo bem Poggio, mas o programa do F-35 não está tendo problemas porque o sistema de radar não atingiu 100 % de sua capacidade. Radares AESA já existem há 20 anos. Nem porque a manufatura não atingiu 100% de maturidade. Isso tira-se de letra. Não tem 100% mas funciona com menos disso. Também duvido que os sistemas elétricos não estarem 100 % maturo influa tanto já que é tecnologia conhecida e aviões utilizam eletricidade há 90 anos. São sistemas muito genéricos e se formos levar isso ao pé da letra não existe sistema 100 % operacional ou maduro tendo em… Read more »