Por cause de crise econômica, fabricantes demitem e país perde especialistas

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LAAD 2015 - NIKON 107b

Por Virgínia Silveira | De São José dos Campos

ClippingNEWS-PADepois de investir em mão de obra, inclusive com treinamentos e especialização no exterior, o setor aeroespacial e de defesa no Brasil está demitindo para fazer frente ao corte de investimentos do governo. Além do custo da demissão, essas pessoas levam boa parte do conhecimento das empresas. Segundo dados da AIAB (Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil), o setor aeroespacial e defesa emprega hoje 24 mil pessoas, sendo que a maior parte, cerca de 19 mil pessoas, trabalha na Embraer. Mas a área espacial é a mais atingida.

A falta de novos projetos e contratos, além da restrição orçamentária, ameaça a sobrevivência dessas empresas e de suas equipes. A produção da área espacial da Mectron, empresa controlada pela Odebrecht Defesa e Tecnologia e responsável pelo desenvolvimento de mísseis, torpedos, radares e sistemas espaciais, foi fechada no primeiro semestre e 32 pessoas foram demitidas. Os cinco funcionários que ficaram, de nível gerencial, estão tocando alguns projetos ainda em andamento, segundo o presidente da Odebrecht Defesa, André Amaro. No total, a Mectron tinha 500 funcionários no começo do ano e agora tem 360.

Formado em engenharia eletrônica pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) Arnaldo Wowk, com quase 40 anos de experiência no setor de defesa e espaço, foi um dos profissionais demitidos da Mectron. Com passagem pela Embraer e especialização na Agência Espacial Francesa (CNES), Wowk disse que está desiludido e teme pelo futuro dos projetos queainda estão em andamento na área espacial.

“Perdemos a capacitação técnica que permitia dar continuidade a projetos como o do foguete VLS. O contrato das redes elétricas do foguete, que teve 70% do seu desenvolvimento feito pela Mectron, será transferido para o Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE). Ele, no entanto, não tem corpo técnico para terminar os trabalhos”, afirmou.

A Opto Eletrônica, de São Carlos, atualmente em processo de recuperação judicial, também dispensou suas equipes técnicas ao reduzir de 85 para apenas 18 o núcleo de engenheiros e técnicos que atuavam na área de optrônica (único núcleo no Brasil).

Foi com este grupo que a empresa desenvolveu a câmera de alta resolução do satélite Brasil-China (considerado um marco para o programa espacial brasileiro) e o projeto do míssil A-Darter, feito com a África do Sul. Segundo o diretor de pesquisa e desenvolvimento da Opto, Mário Stefani, 40% dos profissionais que saíram da empresa foram trabalhar em universidades e 20% estão sendo absorvidos por empresas e universidades estrangeiras.

Para formar um doutor em óptica, segundo Stefani, o tempo médio pode chegar a 17 anos. A Opto Eletrônica investiu inclusive na formação complementar de vários dos seus profissionais em universidades fora do Brasil.

“Pessoas com nível de qualificação sênior se movem pelo desafio. Quando não vêm perspectiva ficam desmotivadas”, afirma. Por serem muito qualificados, explica o executivo, esses profissionais dificilmente ficam desempregados, mas os projetos estratégicos do país acabam não tendo continuidade porque as equipes se dispersam.

Uma das principais cientistas à frente do desenvolvimento da câmera espacial da Opto, a física Érica Gabriela de Carvalho, de 38 anos, atualmente é professora de física no ensino médio de uma escola privada de São Paulo e dá aula cálculo e física na Universidade de São Paulo (USP).

Com mestrado em óptica e especialização na International Society for Optics and Photonics (Spie) e um curso de formação complementar em software de desenho óptico na Zemax, dos Estados Unidos, Érica conta que decidiu deixar a área espacial e de defesa, após ser demitida, porque não via nenhuma perspectiva de poder aplicar seu conhecimento em outra empresa ou instituição.

“O Brasil fez um investimento muito alto para o desenvolvimento da tecnologia das câmeras de alta resolução no país. A primeira opção era comprar isso fora, como aconteceu nos dois primeiros satélites feitos com a China”, diz. Para a cientista, o país perdeu a oportunidade de continuar evoluindo na aplicação desse conhecimento para o desenvolvimento de outros tipos de câmeras e equipamentos ópticos avançados.

A Orbital, especializada no desenvolvimento de painéis solares para satélites, reduziu em 50% o número de funcionários, dos quais 80% altamente qualificados, e hoje tem 21 funcionários. Parte dessa redução ocorreu por demissão e parte por falta de motivação. “A maior parte das pessoas saiu porque perdeu a motivação e por isso decidiu trabalhar em outro setor menos demandante de tecnologia”, afirmou o presidente da empresa, Célio Vaz.

Na Helibras a saída para manter os profissionais foi exportar serviços de engenharia para o grupo Airbus Helicopters. Considerado o quarto pilar de engenharia da matriz, junto com a França, Alemanha e Espanha, a Helibras no Brasil estava sendo capacitada para projetar um helicóptero totalmente nacional num prazo de cinco anos, mas com a crise o projeto foi adiado.

O centro de engenharia da empresa em Itajubá conta hoje com 73 especialistas. A empresa começou com sete pessoas em 2009. “Alguns aderiram ao plano de demissões voluntárias, mas as competências técnicas mais importantes e estratégicas para o grupo nós estamos conseguindo manter”, afirma Walter Filho, diretor do centro de engenharia da Helibras.

A estratégia para segurar essa mão de obra, segundo Filho, envolve além da venda de serviços internacionais para as filiais da Airbus Helicopters no mundo, o desenvolvimento de soluções diferenciadas que melhorem a competitividade dos produtos da marca no mercado brasileiro e também na América Latina. “Um exemplo recente é o interior vip do helicópopters no mundo, o desenvolvimento de soluções diferenciadas que melhorem a competitividade dos produtos da marca no mercado brasileiro e também na América Latina. “Um exemplo recente é o interior vip do helicóptero H130, que foi inteiramente feito pela Helibras no Brasil. O produto tem potencial para ser exportado para outros países da região”, disse.

FONTE: Valor Econômico

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HMS TIRELESS

Deu meia noite, a cinderela voltou a ser gata (ou baranga) borralheira, a carruagem virou abóbora e o “Brasil- PuTênfia” voltou a ser banânia…..

Parabéns aos Petralhas…

Clésio Luiz

Não é apenas o PT, tem gente de direita que está adorando essas notícias negativas da nossa indústria de defesa. Alguns inclusive comentam aqui.

Rinaldo Nery

Só se for o Mister M.

Claudio Moreno

Olá Senhores! Não tem como eu dizer a saudação costumeira, porquê a tarde para mim, depois de constatar mais uma vez essa notícia, não tem nada de “boa”…

Infelizmente estou vivênciando mais uma vez essa triste realidade do Brasil sem planejamento estratégico.

Na década de 80, mais precisamente de 84 para frente, ví FDV Vasconcelos, Bernadini, Orbita, Engesa uma outra que não me lembro o nome que tinha o projeto de produzir um Obus AP chamado Mallet (acho que Verolme), todas essas e certamente outras mais, simplesmente desaparecerem…

Lamentável!

CM

Antonio M

Se tem gente gostando da situação são os que ganham politicamente com isso nas próximas eleições e só.

E tem a ver com esse “recorde” aqui também ..

http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/08/1675715-setor-de-servicos-encolhe-pela-1-vez-desde-1990-estimam-economistas.shtml

Oganza

É simples. – LIBEREM para a iniciativa privada (de preferência a Nacional) o uso de Alcantara, – cortem em 75% TODA a carga tributária para as empresas que atuam ou tenham alguma fatia de seus negócios em tecnologias críticas, – criem uma um sistema de cota$/comi$$ão entre as Universidades (públicas e privadas) para a divisão dos dividendos oriundos das patentes com origem em P&D feitos entre Privado e Universidades. E AOS SENHORES EMPRESÁRIOS: Aprendam a cobrar isso, ou seja, COBREM a criação de um ambiente produtivo e propício a inovação e não a criação de “licitações” vagabundas com as tais… Read more »

Oganza

Posto isso, não reclamem não, todas vc’s (empresas) tem sua parcela de culpa, pois como eu disse: Vc’s cometeram um ERRO ESTRATÉGICO, apostando em uma “oportunidade” de queimar etapas bancadas por um GF mequetrefe e ideológico que tem como único ítem importante na agenda O PODER. Temos mais de 15 projetos de desenvolvimento financiados com dinheiro privado no Brasil, 1/3 deles em tecnologia, mas 80% deles estão com a produção indo para fora do Brasil pq são simplesmente inviáveis em solo brasileiro, ficando em solo nacional apenas a produção da matéria prima. Mas e os idealizadores, akeles que tiveram a… Read more »

Baschera

Infelizmente, nada do que já não vinhamos alertando a mais de dois anos…. infelizmente, o “Brapzil” prova mais uma vez que é como galinha tentando voar. Não voa !

Como disse Ms. Tatcher ” O comunismo acaba quando acaba o dinheiro dos outros”.

O Brapzil Puthânfia acabou. Se fini !

Voltemos aos anos 80…

Sds.

Mauricio R.

Coronel infelizmente ainda não, o F X-2 na forma em que se encontra ainda não foi cancelado e a Embraer não foi obrigada a repatriar aqueles empregos criados c/ dinheiro brasileiro que foram exportados p/ a Florida e Portugal.
Qnto ao resto, bem não há nada inédito considerando nossa história.
Como diria o Babyssauro:

De novo!!!

Wellington Góes

Crises econômicas são cíclicas, como as bonanças, a questão é não perdermos o foco. O momento agora é de maximizar o dinheiro que se tem a disposição das FFAA e não pulverizá-lo. A tentação de compras de prateleira (preços mais em conta) vai bater as portas, mas é preciso resistir a tentação. Esta é uma situação passageira, mais cedo ou mais tarde ficará para trás, já temos o exemplo do passado, não podemos deixar nossa indústria retroagir tanto. O importante é não só reavaliar as prioridades como também, conforme colocado pelo Oganza, reavaliar o formato de negócio para o setor… Read more »

Oganza

Baschera, Tatcher sabia das coisas e enxergou seu tempo como ninguém além de ter reformulado de forma dramática a percepção que as pessoas que compõe o Estado tem do próprio Estado. Até a “esquerda” política inglesa abandonou o discurso populista mequetrefe graças a ela. A Grã-Bretanha foi dobrada por Tatcher que entre tantas coisas, reacendeu o Brit Pride e sem megalomanias. Vocês ainda não tiveram a chance de ter um Bom Governo, um que acerte mais do que erre. Vocês do Brasil ainda tem que desenvolver a percepção de que não será um Governo ou um Governante que irá transforma… Read more »

Baschera

Oganza, Admiro muito esta senhora. O que ela ensinou é que o cidadão é o patrão…e não o peão. Ela ensinou e mostrou que o estado deve estar a serviço do cidadão, do contribuinte e não ao contrário. Coisa que nós, índios tupiniquins ainda não aprendemos… pois aqui não passamos de boçais e relés serviçais do pior tipo de estado que existe… o que cobra para funcionar e não te dá nada em troca. Pior do que ser assaltado na esquina é ter um estado que te assalta todos os dias e no final do mês ainda limpa o cofre… Read more »

joseboscojr

Há de se perguntar como vive uma empresa que leva décadas para desenvolver seus produtos, que não raro são defasados tecnologicamente e que vende muito pouco, pra não dizer, quase nada.
Uns MAA aqui, uns MSS ali, um pacote de MAR acolá.

Rafael Oliveira

Bosco,

Suspeito que as vendas, realizadas com preços estratosféricos às nossas FAs, e os recursos da FINEP sustentem, aos trancos e barrancos, a Mectron.

O financiamento a fundo perdido deve ir para pagar salários, energia e etc. Por isso, quando falam que investiram milhões no projeto x, deve-se levar em conta que o dinheiro foi utilizado para n coisas e só uma parte realmente foi investida no projeto x.

O que também acaba explicando a defasagem tecnológica.

Wellington Góes

Mas Rafael, se estes custos têm relação com o projeto a ser financiado, eles vão custeá-los também. O negócio é saber do rateio a ser feito com os custos fixos (que independe da contratação deste ou daquele projeto), dos custos variáveis (que são ligados diretamente ao processo de desenvolvimento). No caso do financiamento pela FINEP, a empresa não tem que auferir lucro disso, afinal é um projeto que ela está sendo contratada a desenvolver (financiamento a fundo perdido). Já no caso dela contratar um financiamento para desenvolver um projeto próprio, o objetivo de lucrar, após o projeto pronto para industrialização,… Read more »

Rafael Oliveira

Wellington,

Eu não questionei o modelo de financiamento a fundo perdido, tão comum em vários países.

Só quis enfatizar que as empresas de defesa brasileira sobrevivem dessa forma. Talvez essa fonte de recursos seja até mais importante que a receita das vendas de produtos.

O que eu mais critiquei mesmo foi o resultado. Empresas estrangeiras costumam receber bem mais dinheiro, mas também lançam produtos que vendem bastante, por serem bons e atuais. A Mectron não faz isso, quer porque não recebe muito dinheiro, quer porque lhe falte competência.

Mauricio R.

Até parece ser obrigação do contribuinte sustentar empresa privada.
Já chega sustentarmos, indiretamente via impostos e contribuições os tais “movimentos sociais”.
E a ODT, “dona” e controladora dessa nulidade inepta???
Fica no bem bom, na praia tomando sol, cervejinha gelada e camarãozinho frito???
Nem pensar, a ODT que banque!!!

Mauricio R.

A União mas não esse (des)governo do turno atual deveria aproveitar a próxima crise como a do início deste ano, na Avibrás, estatiza-la, saneá-la e transforma-la em uma plataforma publíco-privada, para onde convergeriam todos esse projetos de defesa.
Nada mais de levar empresa privada pela mãozinha, quer participar do setor, conversas lá na plataforma.
Algo similar ao que é a Armscor na África do Sul.