MMRCA: ministro indiano jogou m… no pós-combustor

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Calma! A compra do Rafale pela Índia continua seu caminho já programado de negociações – o que vem sendo debatido é o que vale mais para um país em desenvolvimento: 1.000 instalações sanitárias com biodigestores para vilarejos pobres, como defende o ministro indiano do Desenvolvimento Rural, ou 1 caça de nova geração pelo mesmo preço

A Índia tem que andar na corda bamba entre defesa e desenvolviemento, segundo artigo no jornal “The Times of India”, assinado pelo articulista Jug Suraiya, que coloca em debate as questões: É um avião de caça mais importante que um banheiro? É um vaso sanitário mais importante que um tanque de guerra?

Mas por que essas questões vieram à tona, literalmente jogando m… no ventilador (ou, no caso de um caça, no pós-combustor) no momento em que se negocia a compra de 126 novos jatos de combate multitarefa de porte médio (MMRCA) pela Índia, após uma concorrência vencida pelo caça francês Dassault Rafale?

Porque o ministro indiano do Desenvolvimento Rural, Água Potável e Saneamento, Jairam Ramesh, fez essa comparação de “caças versus banheiros”.

O fato irônico é o contexto em que isso foi feito: a assinatura de um memorando de entendimento do Ministério do Desenvolvimento Rural com a Organização de Pesquisa e Desenvolvimento de Defesa (DRDO) indiana (ligada ao Ministério da Defesa) para produzir 1.000 toaletes biodigestores para aldeias rurais na Índia, assim como para 43.000 vagões de trens – o sistema de trens da Índia, com 11 milhões de passageiros diários e cujos dejetos dos sanitários dos vagões caem diretamente nas linhas, é considerado o maior banheiro a céu aberto do mundo. A DRDO pesquisa biodigestores que são produzidos para emprego por soldados, e agora a tecnologia que transforma dejetos em metano e água será empregada nos trens e vilas rurais. A ironia é que, numa iniciativa de cooperação, veio a semente da discórdia.

Antes da assinatura do memorando como Ministério da Defesa, segundo o jornal “The Indian Express”, o ministro  Ramesh havia comparado o custo desses 1.000 toaletes biodigestores com o de um único caça do programa MMRCA. O ministro, conforme reportagem do jornal “The Economic Times”, também acrescentou que esses banheiros ecologicamente corretos livrariam aldeias da “defecação a céu aberto”.

Na mesma ocasião e entre os risos dos convidados presentes, Ramesh recebeu a resposta do ministro da Defesa, A. K. Anthony. Embora ressaltasse o apoio de seu Ministério a proporcionar a tecnologia para o programa dos banheiros, Anthony disse: “Você deveria procurar por outras agências para verbas. (…) Dinheiro para o orçamento de Defesa é para a segurança nacional.” Ramesh amenizou suas palavras, esclarecendo que vê gastos em defesa como necessários, mas que as pesquisas da DRDO deveriam beneficiar a sociedade como um todo.

Levando em conta essa discussão, o articulista Jug Suraiya comparou os orçamentos de Defesa e de Desenvolvimento Rural, concluindo que este último era uma pequena fração do primeiro, e interpretou que o ministro Ramesh estaria sugerindo, implicitamente, que o orçamento de Defesa deveria ser cortado para permitir melhores condições higiênicas aos vilarejos rurais indianos.  Trata-se, para Suraiya, de uma variação do velho debate “armas versus comida” (mais conhecido em inglês como “guns vs butter”), em que se questiona o que é mais importante para uma sociedade: a saúde e o bem-estar de seus cidadãos ou sua capacidade de se defender contra possíveis agressores externos.

A resposta óbvia costuma ser de que ambos são igualmente importantes. Mas essa resposta abre caminho para outra pergunta, segundo Suraiya: por que orçamentos de defesa em muitos, senão todos, os países – e especialmente os países em desenvolvimento como a Índia e o Paquistão – são o que muitos chamariam de desproporcionalmente maiores do que as quantias alocadas para melhorar a infraestrutura social?

Segundo o articulista, os que são favoráveis a dar mais prioridade à defesa sobre qualquer outra coisa argumentam que não faz sentido tentar desenvolver uma sociedade próspera e saudável se ela está em constante perigo de uma invasão estrangeira. Os que favorecem o desenvolvimento contra-argumentam que gastar tanto na defesa externa a ponto de empobrecer sua população é irracional, tanto quanto um dono de uma casa que instala um sistema de segurança sofisticado contra bandidos mas não deixa sobrar dinheiro suficiente para sua família se alimentar.

Com vizinhos hostis ou potencialmente agressivos como o Paquistão e a China, a Índia acredita que a defesa é sua maior prioridade. Mas concentrar-se em levantar uma muralha contra o potencial inimigo externo não torna a Índia mais vulnerável a um inimigo igualmente ou mais perigoso, que é o interno?

Suraiya faz essa pergunta para levantar outro ponto: ele cita os rebeldes Maoístas, que desafiam a soberania do Estado Indiano, dominando amplos territórios de Norte a Sul, no já chamado ” corredor vermelho”. Seriam eles apenas criminosos, representando apenas um problema de lei e ordem, ou representam uma falha política e econômica do Estado Indiano em levar os mais básicos benefícios do desenvolvimento às áreas tribais, entre outros lugares negligenciados no país?

O Primeiro Ministro Manmohan Singh já descreveu os Maoístas como “a maior ameaça única” ao país. Para Suraiya, um banheiro rural pode não ser uma arma de eficácia imediata para lutar contra o Maoísmo, mas um caça a jato também não é: fazer uma guerra total contra uma parte significativa de sua própria população coloca o Estado no papel de agressor estrangeiro.

Por fim, o articulista não responde às questões “manteiga ou armas, caças ou banheiros, tanques ou escolas e hospitais” que formam uma corda bamba para a qual é necessário equilíbrio para percorrer. Mas pergunta aos leitores de seu país como é que a Índia está se saindo em cima dela.

FONTES: The Times of India, The Indian Express e The Economic Times (compilação, tradução, adaptação e edição: Poder Aéreo)

FOTOS: Dassault e Snecma

NOTA DO EDITOR: já havíamos visto as notícias sobre a comparação “caças x banheiros” do ministro indiano, no mês passado, e que teve alguma repercussão global por um ou dois dias. Mas não publicamos nada aqui pois imaginamos que o assunto não iria adiante, sendo tratado mais como anedota. Mas aparentemente a discussão prosseguiu na Índia, ganhando contornos de um debate que saiu da “superfície” das latrinas para se embrenhar pelas profundezas do encanamento, literalmente.

Vale a pena pensar nas questões do articulista indiano levando em conta o caso brasileiro. É certo que a posição indiana é bem diferente da brasileira quanto às suas ameaças reais e atuais, e não apenas possíveis e futuras. Lá existem vizinhos muito belicosos e com poderio crescente, enquanto aqui há uma preocupação mais relacionada à obsolecência e insuficiência dos equipamentos de defesa, e como isso poderá trazer problemas no futuro de inserção internacional do Brasil. Atualmente, a Índia também possui um poderio bélico muito superior ao brasileiro, embora também sofra com obsolescência em algumas áreas e preocupações quanto ao ritmo de sua renovação. Mas há carências sociais também muito parecidas entre os dois países,com potencial para gerar ou alimentar problemas internos de segurança, embora também deva-se levar em conta grandes diferenças geográficas e demográficas entre esses dois representantes dos “BRICs.”

A questão  “armas x comida” também é frequentemente colocada aqui no Brasil. É bom lembrar que um programa de obtenção de caças (o F-X original) foi adiado com o argumento de que a prioridade era investir no “Fome Zero”, sendo que nem mesmo este último vingou em sua proposta original, dando lugar a outros programas.

A pergunta é: há um equilíbrio na “corda bamba” entre defesa e desenvolvimento social aqui no Brasil, ainda que retórico? Lembrando que, ao contrário do “cheiro” de disputa “intestina” entre ministérios da discussão na Índia, por aqui as últimas notícias têm “cheirado” a mais enrolação. Se bem que enrolação e intestino são palavras que combinam. Será que, diferentemente do MMRCA indiano, que parece seguir em frente a despeito dessas amostras de oposições internas, o nosso F-X2  está no caminho de descer pela descarga?

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Clésio Luiz

Aqui no Brasil, investimentos de cunho social são altamente penalizados com desvios de verba. Você pode aplicar 30% da arrecadação apenas no SUS, mas ainda assim haverá filas e falta de recursos em hospitais.

aldoghisolfi

1 RAFALE = 1000 WCs

Duvideôdó!

Antes de opinar gostaria que os matemáticos do site revisassem as contas.

Giordani

“Segundo o articulista, os que são favoráveis a dar mais prioridade à defesa sobre qualquer outra coisa argumentam que não faz sentido tentar desenvolver uma sociedade próspera e saudável se ela está em constante perigo de uma invasão estrangeira.”

“Nádegas” a declarar.

Apesar de tudo, uma coisa é certa. Investir em tecnologia bélica dá retorno, na forma de Conhecimento e parque tecnológico, ou seja, gera emprego e riqueza. Investir em saneamento básico, diminui as filas nos hospitais…
No meu entender é necessário gerar riqueza e reinvestir na sociedade.

edcreek

OLá,

Quem já foi invadido realmente, e teve sua gente morta, e vive atritos com vizinhos constantemente, não serve como comparação aqui no Brasil…Tenho certeza que na India, a maioria é favoravel a industria belica, principalmente com o Dragão, o Paquistão e o Grande Urso sempre rondando ao lado…

Abraços,

Nick

Talvez a melhor resposta seja gastar de maneira correta.

Os EUA são os maiores gastadores militares e tem muito butter (o IMC deles deve ser o mais alto do mundo) :).

Investir é melhor que gastar. Investir em Educação, Pesquisas, Tecnologia, resultará em mais GUNS AND BUTTER. 🙂

[]’s

Mauricio R.

Torço pelas privadas!!!
Assim os indianos terão aonde pensar, o que fazer c/ o enrolado do Hal Tejas e sua turbina Kaveri, por exemplo.
E país que voa “Flanker-H” em quantidade, tem “Brahmos”, tem “Arihant”, além do envolvímento no FGFA e no AMCA, não precisa de nenhuma Jaca francesa de 4ª geração.
Privadas, avante que a vitória é de vcs!!!

Baschera

Sabem qual a diferença entre este vetor e o “combustível” destes biodigestores ????

É que um flutua e o outro não….

Rssssss.

Sds.

jacubao

O que quer dizer esse “M…” do post???? 😛