MMRCA: qual é o recado da Índia

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por Guilherme Poggio

Durante os últimos anos, muitos foram os questionamentos sobre qual seria o rumo da aviação de caça da Índia. O primeiro grande teste para esta possível mudança seria o programa MMRCA (Medium Multi-Role Combat Aircraft). Pela primeira vez na história da aviação de caça da Força Aérea Indiana (IAF) concorrentes de origem norte-americana participaram de uma concorrência. No entanto, os indianos se mostraram bastante ortodoxos em relação ao assunto.

Com as notícias recentemente divulgadas pela mídia, somente aos consórcios Rafale Internacional e Eurofighter Typhoon foi solicitada a reapresentação das respectivas propostas, cuja data para expirar era 28 de abril.

Assim, entende-se que somente esses dois concorrentes foram selecionados para o “shortlist” do MMRCA. Os demais caças; Lockheed Martin F-16, Boeing F/A-18, Saab Gripen NG e RAC MiG-35, foram automaticamente desclassificados.

O significado

A Índia deu um sinal bastante claro, que poucos se deram conta. Ela quer não só manter várias fontes de caças, reduzindo sua dependência frente a um único país, mas também quer manter seus tradicionais fornecedores.

Os históricos fornecedores de aviões de combate para a Índia são: russos, franceses e britânicos. Após a independência, franceses e britânicos proveram boa parte dos caças da Índia. A partir da segunda metade da década de sessenta, a Índia foi buscar na URSS parte dos seus vetores de combate. Desde então, passados mais de quarenta anos, a aviação de primeira linha da IAF é dominada por estes três fornecedores.

O domínio russo

Atualmente os caças de origem russa dominam a aviação de combate indiana. O principal vetor da IAF é o Sukhoi Su-30MKI, produzido sob licença pela empresa local HAL. Esta aeronave, de performance excepcional, está em atividade desde 2005 e mais de cem delas já equipam diversos esquadrões de linha de frente. Além das 180 encomendas firmes espera-se que a montagem de outras 42 células seja contratada em breve.

Para o futuro, a Índia trabalha em parceria com os russos no desenvolvimento de um caça de quinta geração baseado no programa PAK FA, denominado ‘Fifth Generation Fighter Aircraft’ (FGFA). Aproximadamente 250 destas avançadas aeronaves deverão ser construídas para a IAF.

Além da construção sob licença do Su-30MKI e do programa FGFA, russos e indianos cooperam na modernização dos cerca de 70 MiG-29 ainda em atividade na IAF para o padrão SMT. Embora seja uma história pouco divulgada, a Índia foi o primeiro cliente externo do MiG-29 e seus caças estão há 30 anos em atividade. Os MiG-29 atuam como a segunda linha na defesa aérea do país.

Para complementar, ainda existem diversos esquadrões de caça e ataque equipados com MiG-21 e MiG-27 que deverão dar baixa nos próximos anos. A cooperação com a Rússia é intensa e de longa data e boa parte do inventário atual da aviação de primeira linha possui alguma relação com aquele país. Uma vitória do MiG-35 no MMRCA colocaria praticamente tota a futura aviação de primeira linha da Índia nas mãos de fornecedores russos. Portanto, se o objetivo é continuar com uma política de diversificação de fontes, o MMRCA são seria vencido por um fornecedor russo.

Franceses e Britânicos

Outro vetor de grande importância na IAF é o Mirage 2000H de origem francesa. Cerca de meia centena desses caças estão em atividade na Índia. Atualmente a IAF negocia com a França a modernização dessas aeronaves para o padrão “-5”.

A Índia é cliente antiga dos caças franceses, tendo adquirido os seus primeiros Ouragan em 1953. Posteriormente estes foram substituídos pelos Mystère IV, que voaram até 1973. Houve um pequeno hiato de pouco mais de dez anos até que a Índia voltasse a adquirir novos caças de origem francesa, o que ocorreu na metade da década de 1980.

Os caças de origem britânica possuem uma importância histórica na IAF. Os primeiros caças indianos foram os Hawker Tempest e os Supermarine Sptifire, repassados pelo Império Britânico em 1947. Posteriormente vieram Vampires, Gnats e Hunters. Desde a introdução do jato de ataque anglo-francês SEPECAT Jaguar, no final da década de 1970, os britânicos praticamente deixaram de atuar na primeira linha de caça da Índia.

A futura escolha

Tecnicamente, as duas aeronaves estão na mesma categoria, com características, capacidades e performances muito próximas. Não é para menos, os dois caças possuem a mesma origem (clique aqui para ler a série de matérias “Muito antes do Eurofighter”, do Poder Aéreo). Até mesmo os custos de aquisição e manutenção das duas aeronaves são semelhantes. Ao que tudo indica, o critério político será fundamental na escolha da aeronave.

Porém, voltando para a questão da diversificação de fornecedores, temos os britânicos que não vendem aviões de caça para a IAF há mais de trinta anos e os franceses aproximam-se dos 15 anos. Desconsiderando os acordos recentes para a venda de jatos de treinamento BAE Hawk para a IAF, percebe-se então que o “hiato britânico” na primeira linha é muito maior.

Assim como era extremamente difícil apontar aquelas aeronaves que seriam secionadas para a “shortlist” indiano, indicar um possível vencedor para o MMRCA não passa de um mero exercício de ‘achismo’. Mas considerando que os britânicos estão há mais tempo sem vender caças para a sua ex-colônia e a possível reforma dos Mirage 2000H está prestes a ser assinada, o Typhoon pode ter uma pequena vantagem para equilibrar os três históricos fornecedores – o que poderia tornar uma realidade na IAF a ‘dobradinha’ que se vê na foto abaixo, tirada durante um exercício, e que no médio prazo poderia mostrar também o Mirage 2000 modernizado compondo uma tríade da sua primeira linha.

Mas, se essa questão do equilíbrio pender para o favorecimento de apenas dois fornecedores externos de caças, essa vantagem ficaria com o Rafale, pois esse novo vetor se somaria aos Mirage já em uso, contrabalançando o peso quantitativo do equipamento russo na balança – mas deixando os britânicos como uma lembrança do passado.

De qualquer forma, o recado foi dado. Os indianos, no que se refere à aviação de caça, querem mais de uma fonte de equipamentos e, ao mesmo tempo, manter seus atuais e históricos fornecedores.

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Vader

Vem cá ninguém mais acha estranho a Índia divulgar a short-list do negócio da década “punindo” o Tio Sam ao excluir seus dois vetores concorrentes e, dias depois, ser morto Osama Bin Laden próximo ao próprio centro de poder do Paquistão?

Será que estou viajando? Ou será que há alguma ligação entre a decisão indiana e a guerra ao terror?

Mistéééério…

Não deixa de ser uma surpreendente coincidência.

Nick

Os Indianos com essa short-list foram racionais, e desconfiados.

Buscaram manter a decisão correta de não depender unicamente de um fornecedor(Russia), e mandaram um recado para os EUA, afirmando que a a desconfiança é grande ainda. E buscaram seu caça nos seus parceiros tradicionais (França ou Inglaterra).

Caro Poggio, fica uma sugestão de fazer um comparativo entre os 2 caças, como velocidade, alcance, carga paga, custo hora/voo e outros.

[]’s

Leonardo

Vader disse:

Sinceramente, não compreendi o que você quis correlacionar, tem como esclarecer um pouco mais?

Sds.

Grifo

Apesar de não estar explícito nos objetivos do programa, estes aviões poderão ser usados para fazer missões para o Strategic Forces Command (SFC) indiano, como vetores do armamento nuclear daquele país.

Que requisitos os indianos colocaram no M-MRCA quanto a isto?

Os EUA concordaram em atender a estes requisitos?

Os suecos são capazes de atendê-los?

Acho que a eliminação dos concorrentes americanos e suecos passa por aí.

Vader

Leonardo disse: 2 de maio de 2011 às 10:34 Leonardo, são apenas conjecturas, e não quero dar azo a teorias conspiracionistas. Não sem evidências concretas. Apenas achei muito suspeito que Bin Laden esteja há anos em “prisão domiciliar” nos arredores da capital paquistanesa, confortável e lampeiro. A impressão que dá é que o governo paquistanês estava escondendo-o, para usá-lo como trunfo para negociar algo com o Tio Sam. E que esse algo pode ter a ver com o fornecimento de armas americanas á arqui-rival Índia. Como o MMRCA. Quem sabe se o governo paquistanês não usou Bin Laden para pressionar… Read more »

Leonardo

Vader disse:

Realmente fazem sentido suas hipóteses.

Sds.

Observador

Senhores: Como todos aqui, me surpreendi com a decisão indiana em favorecer o Typhoon e o Rafale, já que tanto se comentava que a escolha seria pelo menor preço, o que os eliminava automaticamente. Pelo menos me consolo por ter acertado quanto a questão do Mig-35, pois como outros aqui não acreditava que a Índia fosse colocar os russos como seus fornecedores exclusivos. Também não acreditava na vitória do F-16 devido ao Paquistão possuí-lo. Pensava no F-18 e no Gripen, com grande vantagem para o último devido ao tamanho do primeiro, que está mais para um caça pesado. Por outro… Read more »

Mauricio R.

Pelo que eu já andei lendo, a necessidade de uma aeronave mais efetiva que o Jaguar e o M-2000 no ambito do SFC realmente pode ser um indicador, do pq ambos os canards europeus foram incluídos na short list e da exclusão das aeronaves americanas.
E infelizmente devido ao Rafale-B, a Jaca tem uma vantagem importante.

Ivan

Russos e Suecos simplesmente não tinham a menor chance no MMRCA. O MiG-35 seria apenas mais do mesmo, tornando a Índia ainda mais dependente de Moscow e sofrendo com o pós venda russo que parece não ter jeito. O Gripen IN seria um caça espetacular para a Índia, porém, por ter um MTOW apenas 15 % maior que o indígena HAL Tejas, terminaria por ‘matar’ o projeto do DRDO e da Força Aérea que já consumiu mais de 2 (duas) décadas de esforços locais. Outro ponto a ser considerado é que (talvez) a Força Aérea da Índia desejava um caça… Read more »

Antonio M

Muito bom seu raciocínio Vader !!!!

E quanto a capacidade do Gripen como vetor nuclear, basta dizer que a França usava, ou ainda usa, o Super Etendard que em termos de desempenho, atualmente, é inferior ao Gripen.

Almeida

Boa matéria Poggio. Eu só acho que eles vão ficar mesmo com três fornecedores no futuro:

Russos;
Franceses;
E eles mesmos, os indianos.

Sai caro, mas eles precisam e estao dispostos, entao sera uma bela ordem de batalha! Su-30MKI, Su-50, Rafale e Tejas.

Almeida

Quanto ao Paquistão, agora que ps EUA conseguiram o que queriam deles, podem esperar menos e menos ajuda. A coisa ta feia pra eles e é melhor se enfiarem debaixo do guarda chuva da China…

Soyuz

Dentro desta linha “Os indianos querem caças europeus, mantendo a pulverização de riscos entre os tradicionais fornecedores Rússia e Europa”, quais seriam os motivos para o Gripen NG não estar na short list? a) Ele do ponto de vista da origem das suas tecnologias não foi percebido pela Índia como um caça europeu e sim norte americano? b) Seu desempenho não figura na mesma classe dos outros dois caças que compõe a short list? c) Seu projeto é apenas um demonstrador de tecnologia que estão a alguns passos em desenvolvimento e risco inerente ao programa dos outros dois caças da… Read more »

Antonio M

Soyuz disse:
3 de maio de 2011 às 7:46

Caro Soyuz,

O Gripen era o azarão dessa concorrência e foi até onde era possível ir. Creio que dois fatores foram cruciais para sua eliminação. A questão do tempo, não estaria pronto a tempo e o Tejas; para que comprar um caça mais ou menos no mesmo padrão se estão desenvolvendo um, tendo gasto quase 20 anos nesse projeto?!

Nick

Caro Soyuz, vamos lá 🙂 a) O principal componente americano do Gripen NG seria o motor GE-414…mas recentemente os Indianos selecionaram o mesmo para produzirem localmente o mesmo para o Tejas Mk.2. Portanto não foi esse o motivo. b)O alcance pode ser classificado como próximo aos outros dois da Shortlist, mas em termos de carga paga, é menor, mas não diria que seria o suficiente para eliminar, mas o deixa em leve desvantagem. c)Por enquanto, não existe um protótipo pronto do NG, e ainda faltando itens importantes que estão em estágio inicial de desenvolvimento como o radar Raven ES-05. Esse… Read more »

Ivan

Soyuz e Nick, Afirmar que os players realmente importantes são EUA, Russia e China está correto, mas merece uma ressalva. A DesUnião Européia deveria ser o quarto grande player, ou mesmo o segundo. Entretanto a falta de coordenação, objetivos comuns e entendimento entre seus maiores ‘sócios’ impede qualquer ação unificada. Basta observar os acontecimentos na Líbia. A história do Eurofighter e do Rafale exemplifica categoricamente a dispersão de esforços, ou pior, uma quase autofagia entre eles. Mas haverá quem de boa fé diga que isto está mudando. Mas não está! Recentemente cada um dos 3 (três) grandes da DesUnião Européia… Read more »